sábado, julho 11, 2020

(DIM) Relações complicadas dentro do casal


Quase de certeza não voltarei a olhar para o cinema alemão com o deslumbramento por ele sentido antes do 25 de abril, quando o Instituto Goethe nos proporcionava os primeiros Fassibinder, Herzog ou Wenders. Nos cinemas convencionais víamos os filmes que a censura deixava passar com cortes obscenos, enquanto os que víamos oriundos da Alemanha, libertos da salazarenta tesoura, confirmavam-nos haver uma outra realidade, democrática, que aguardava por nós. Por isso pensávamos em zarpar para outras paragens acaso não arranjássemos maneiras airosas de evitarmos a guerra colonial.
Olhando para filmes mais recentes continuamos a comprovar a existência de cineastas germânicos merecedores de atenção pelo talento e imaginação com que abordam os mais variados assuntos, mas não me lembro de nenhum ao nível dessa brilhante geração - ainda constituída por Kluge, Syberberg ou Schroeter! - cujas obras sempre entusiasmavam.
Vem isto a propósito de Todos os Outros de Maren Ade, uma cineasta da chamada Nova Escola de Berlim em que também identificamos Christian Petzold ou Maria Speth. Realizado em 2009, ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim desse ano, que também galardoou a austríaca Birgit Minichmayr pelo desempenho feminino principal.
Apesar de curioso na forma como aborda a intimidade, o desconforto e, sobretudo, a imperfeição no relacionamento dentro do casal, convenhamos que o interesse da história é difícil de acompanhar, quando temos presente a insuperável bitola de Ingmar Bergman com as Cenas da Vida Conjugal. As duas horas de duração do filme acabam por parecer exageradas para confirmar que a banalidade e a vulgaridade dificilmente convergem na ansiada autenticidade.
A história passa-se na Sardenha, onde Chris e Gitti passam férias na lindíssima vivenda da família dele. Há entre ambos uma tensão latente, que se irá acentuando, sobretudo a partir do encontro com Hans e Sana, que longe de os espelharem, aparentam uma felicidade conjugal a eles inacessível. Descobre-se que Chris ganhara um prémio de arquitetura, mas recusara concretizar o projeto por o quererem obrigar a fundi-lo com o do outro covencedor. Gitti, por seu lado, exaspera-se com a sua fraqueza: não só lhe identifica os tiques de uma burguesia, que execra, como o vê submeter-se ao amigo como se da sua aprovação necessitasse. Ora, na verdade, a relação amorosa entre Hans e Sana não confirma a ideia por eles dada e de que a orgulhosa gravidez pareceria feliz corolário. Pelo contrário, tão-só encontra abertura para tal, ele deita-se com Gitti, que aceita a fornicação com o enfado de quem apenas pretende confirmar as desconfianças relativamente a esse suposto amigo do namorado. Porque este mostrara-se-lhe cada vez mais desatento, deixando-a sozinha numa noite em que alegara a necessidade de se encontrar com um potencial cliente na ilha.
Chegamos ao final e a realizadora volta-nos a desiludir: convencêramo-nos da impossibilidade de futuro para a relação entre os protagonistas, tão diferentes um do outro se haviam revelado naqueles dias mediterrânicos. E, no entanto, o happy end  fica sugerido, mesmo que Ade só o explicite  mediante a expressão cúmplice de Chris e Gitte no final.
No fundo, embora com algum interesse, Todos os Outros não me desvia da ideia de ter encontrado o melhor cinema alemão nos filmes descobertos no Campo dos Mártires da Pátria há quase cinquenta anos.

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