A emigração tem causado grandes sobressaltos numa Europa, que assiste ao fortalecimento de movimentos xenófobos, sem se conseguir informar os seus apoiantes quanto aos contributos desses recém-chegados para manter em funcionamento uma economia trôpega, cada vez mais pressionada pelos custos inerentes a uma população envelhecida.
Muito embora os promotores do Brexit tenham iludido os eleitores a respeito do maior controle sobre quem fica, ou quem parte, da Inglaterra e do País de Gales, a estrutura económica, que sustenta as pensões e os subsídios dos defensores do «Leave» rapidamente claudicaria se, por absurdo, todas as populações nascidas fora do reino de Sua Majestade decidissem sair de uma assentada.
Nas artes, os olhares dos que vêm de fora também significam enriquecimento para as novas propostas exibidas em museus e galerias de exposições. Um bom exemplo é o curdo Hiwa K., nascido em 1975 em Sulaymaniyah e fugido do Iraque em 1988, e que encontrou refúgio em Berlim.
Durante a juventude andou um bocado perdido quanto ao que pretenderia fazer. Estudou música, mas foi na arte, que encontrou espaço para fazer a catarse da sua experiência com a guerra, a morte e a fuga. Por isso as suas instalações remetem para as recordações do passado e para o pessimismo apocalítico com que olha para o futuro.
Mais do que artista comprometido, Hiwa K. considera-se um contador de histórias e está a conhecer atualmente tal consagração que, depois da participação na Bienal de Veneza do ano transato, está convidado para a próxima Dokumenta de Kassel.
A peça que apresentou na cidade dos Doges no ano passado foi muito referenciada pelas suas características. Tratava-se de um sino feito de ferro-velho recolhido em campos de batalha, ou seja peças metálicas, que tinham integrado bombas, granadas, espingardas e outros utensílios belicistas.
O sino assim resultante - que teria todo o cabimento num qualquer campanário de igreja! - pesava 600 quilos e estava decorado com motivos mesopotâmicos e babilónicos como forma de denúncia para os perigos em que incorrem os monumentos milenares do Médio Oriente face ao vandalismo dos seus ocupantes.
Essa proposta artística coincidiu no tempo com as notícias de graves danos à cidade de Palmira então na posse do Daesh.
Nesta altura Hiwa K. está a trabalhar numa instalação em vídeo, intitulada «My Father’s Color Period» sobre a época em que, no seu Curdistão natal, ainda não existia a televisão a cores e havia quem pusesse telas coloridas no ecrã para iludir as limitações do preto-e-branco nos filmes românticos egípcios então muito em voga. Trata-se, pois, de uma proposta com vários sentidos: o da nostalgia por um tempo de inocência, mas também de criação de cenários desconformes com a sua verdadeira natureza.
Convenhamos que as obras de Hiwa K. só poderiam ser imaginadas por quem viveu as experiências concretas, que ele carrega na sua biografia.
Sem comentários:
Enviar um comentário