O concerto de ontem à noite no CCB com a Orquestra Metropolitana a interpretar a 5ª Sinfonia de Mahler, quase coincidiu com mais um aniversário de uma das páginas mais lamentáveis do Festival de Cannes quando, a 5 de junho de 1971, o júri recusou a Palma de Ouro a «Morte em Veneza», que daria merecida fama ao 4º andamento daquela obra, o conhecido Adagietto.
O escândalo foi tal que, à pressa, a organização inventou um Prémio Especial comemorativo do 25º aniversário do Festival para o atribuir ao filme de Visconti.
Magnânimo, e ao mesmo tempo irónico, o realizador agradeceria a distinção até pelo facto de constituir prémio, que mais ninguém conquistaria, já que o Festival só comemoraria essa efeméride uma vez.
Mas ao evadir-me momentaneamente do ambiente da sala - o público à minha volta, a orquestra no palco - ponderei no que se dizia no programa: que se costumamos associar esse Adagietto a algo de fúnebre, porque coincide com a morte do professor Aschenbach no seu derradeiro vislumbre da Beleza superlativa, simbolizada na androginia do corpo de Tadzio, também há quem o ouça como um incentivo à esperança, dependendo da maior ou menor lentidão com que esse andamento é interpretado.
Não me consegui decidir por uma ou outra hipótese já que se trata de um momento tão sublime na História da Música do início do século XX, que a sua fruição basta para suscitar um estado de alma sem considerações outras que não seja o prazer obtido.
Mahler, porém, estivera sempre na mente de Visconti ao adotar o livro de Thomas Mann, razão porque alterou a profissão do protagonista que, em vez de professor de literatura, era compositor.
Não podemos, porém, esquecer a natureza autobiográfica, que o realizador assumia ao avançar com esse projeto, que ele temia vir já a ser o último da sua filmografia. E, de facto, na rodagem do título seguinte, dedicado a Luís da Baviera, ele sofreu uma hemorragia cerebral, que lhe inibiria a criatividade para a meia dúzia de anos remanescentes na sua biografia.
Estas notas à margem tenderiam a empurrar-nos para a versão mais nostálgica e triste do Adagietto, em conformidade com a sucessão telúrica dos demais andamentos - com exceção no valsante «Scherzo» - entoados por pujantes sopros, ainda que logo sacudidos por breves momentos de contenção extrema. Mas se tivermos ainda em conta que Mahler, quando compôs esta Sinfonia, estava a viver os momentos mais exaltantes do seu recente casamento com Alma, teremos de apostar definitivamente na hipótese de aqui estar implicada a esperança em futuros melhores e mais belos.
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