À partida Leonardo Padura assumiu o seu romance como uma espécie de ajuste de contas com Hemingway, que muito admirou e até o fez decidir-se quanto ao que pretendia fazer na vida. E nada melhor do que tratar do assunto através do recurso ao género policial de que se tornou num dos mais interessantes expoentes nos nossos dias. Tudo começa pois com uma mangueira derrubada por um furacão na quinta que pertencera ao escritor e que traz à luz do dia as ossadas de um desconhecido identificável como sendo um agente do FBI de acordo com o distintivo que as acompanhava.
Porque tem mais para fazer do que dedicar-se ao esclarecimento de um óbito de há meio século, o chefe da polícia convida o amigo e antecessor no cargo, Mario Conde a apurar o que ainda for possível.
Hemingway apaixonara-se por Cuba em 1928, quando aportara à ilha no paquete que, com a esposa de então, Pauline Pfeiffer, o trazia de La Rochelle de regresso à América. Não tarda a ali se deslocar para pescar, descobrir o sabor da fruta tropical e beber quantidades desmesuradas de rum. É aí que escreve «Adeus às Armas», baseado na sua experiência de condutor de ambulâncias durante a Primeira Guerra Mundial e em que quase perdera a vida.
Nunca mais Hemingway suportou viver muito distanciado de uma paisagem, que não tivesse o mar infinito como horizonte.
Uma das razões para Padura se distanciar de Hemingway é esse lado sombrio de, em nenhuma das guerras em que esteve presente, ter verdadeiramente empunhado uma arma para defender os seus supostos valores progressistas. Quando quis provar o sabor do sangue por si derramado fê-lo em África nas pobres vítimas das suas caçadas.
«Ele nunca teve tomates suficientes para matar quem quer que fosse» diz Padura, através do protagonista do seu livro.
Hemingway viveu na Finca de la Vigia até 1959 no intervalo das suas inúmeras viagens. Foi ali que, conjuntamente com a quarta esposa, Mary Welsh, recebeu os amigos, entre toureiros, escritores e vedetas de Hollywood. De entre estas contou-se Ava Gardner cujas cuecas servirão de elemento fundamental no romance, pois Conde tê-las-á como memorabilia no saldo da sua aventura.
Na visita ao passado através do contacto com alguns velhos, que tinham conhecido e até trabalhado para Hemingway, Conde volta aos tempos em que ele patrulhava as águas em torno da ilha para identificar eventuais submarinos alemães ou se entusiasmava com os combates entre galos.
A aproximação da velhice intimidou o escritor, que começou a ser tomado de receios paranoicos, que muitos anos depois a vieram a revelar-se fundamentados, porque Edgar Hoover estava atento a todas as suas movimentações por suspeitar-lhe simpatias comunistas.
É precisamente essa perseguição que serve de leitmotiv à intriga, com Conde a aproximar-se da verdade, só acessível ao leitor por Padura ir proporcionando em alternativa às deambulações do detetive o que realmente tinham sido os últimos dias de Hemingway na ilha antes de se ir suicidar no Idaho em 1961.
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