Pode coexistir na mesma pessoa um dramaturgo progressista, cujas peças têm significado espetáculos tidos como muito representativos dos dilemas colocados aos trabalhadores para combaterem a exploração de que são objeto, e um diretor de empresa multinacional que chega a pedir a intervenção da polícia de choque para pôr fim à luta de quem deveria comandar? Pode, e isso verifica-se com o escritor Michel Vinaver, que é uma espécie de «Olívia empregada», comparativamente com Michel Grinberg, a «Olívia patroa» que desempenhava as funções de diretor na multinacional Gillette para toda a Europa, que, em 1976, não hesitou em recorrer à força bruta da polícia para acabar com a ocupação da fábrica de Faverges, cujos operários reclamavam contra a reestruturação, que lançaria muitos deles para o desemprego.
O mais perturbador em todo esse caso é que, do outro lado do Atlântico, a orientação da multinacional era para chegar a um acordo pacífico com os trabalhadores, e Grinberg tê-lo-á recusado de motu proprio, escolhendo a opção mais violenta.
Irene Favier, que descreve o caso em «L’Usine, Thêatre du Pouvoir» (editions PUF), esclarece que Vinaver até pode ter constituído um equivoco, porque, se forem bem analisadas, nas suas peças de teatro até toma muito mais a defesa dos quadros superiores do que dos próprios operários. É o caso de «La Demande d’Emploi», atualmente em cena no estúdio da Comédie Française, e escrita em 1971, que trata de forma quase shakespeariana a deriva de um desses empregados muito peculiares no desemprego.
Fage, o protagonista, vê-se no desemprego, perdendo subitamente todas as referências, que tinha quer na esfera social, quer familiar.
Essa solidão destrutiva é acentuada pela justaposição das vozes discordantes da mulher, Louise, da filha, Nathalie, e de Wallace, um head hunter.
O que Vinaver revela é a porosidade entre as células profissionais e as familiares, entre o homem e o mundo que o rodeia. Que ele tenta traduzir em forma de comédia a tender inevitavelmente para a tragédia.
Por isso é particularmente interessante o desempenho do recrutador, que não hesita em dizer ao que vem: “o meu papel é fazê-lo trair-se a si mesmo”. Por isso revela uma total indiferença para com os efeitos da sua lenta tarefa de trucidá-lo, de forma a nele detetar as características pretendidas pela empresa que pode nele vir a estar interessada.
Essa mesma ambiguidade verifica-se noutra das suas peças mais representadas, «Par-dessus bord», em que o quadro superior encarna por si mesmo a globalização, ao mesmo tempo como vítima e como carrasco.
Não se estranha, pois, que questionados a propósito das peças de Vinaver, os operários instados a vê-las consideram-no uma espécie de teatro patronal em que não se sentem ilustrados.
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