Em 1978 passava bem mais tempo a navegar em petroleiros pelos oceanos do que conseguia estar em terra. Perdi então a oportunidade de ver «Siberíada», o grande épico de Andrei Konchalovsky, que contava a evolução histórica da Rússia entre o início do século XX e os anos 70 através dos ecos dos acontecimentos sentidos pela população de uma pequena aldeia siberiana.
Quase quarenta anos se passaram sobre essa estreia sem que tivesse reencontrado a possibilidade de conhecer uma obra, então incensada pela crítica, e considerada uma das mais interessantes do cinema soviético do período correspondente à liderança de Brejnev.
Essa curiosidade revelou-se tanto mais pertinente quanto tinha presentes os filmes medíocres do realizador que, tão só aterrado em Hollywood, logo se viu arvorado a mero tarimbeiro de obras encomendadas por produtores apenas interessados em financiar idiotices em vez das obras inequivocamente artísticas assinadas pelo realizador enquanto estivera no seu país natal.
«Siberíada» é um conjunto de quatro filmes distribuídos em duas partes.
O primeiro corresponde ao início do século, quando a aldeia contava com duas famílias principais: os Solomin, mais abonados, e os Ustyuzhanin, com bastantes dificuldades para irem garantindo o sustento de cada dia. Essa sobrevivência revela-se tanto mais difícil quanto o respetivo patriarca, outrora o melhor caçador da taiga, abandonou todos os demais afazeres para cumprir a missão a que se propusera: abrir uma passagem na floresta até chegar à mais brilhante das estrelas no firmamento.
Por ela altura Nikolai, o filho de Atanasio é apanhado em flagrante por Nastya Solomin a roubar comida do alpendre da sua família e obriga-o a dar voltas ao poço sem qualquer roupa apesar de estar um frio de rachar. Depois, em vez de lhas devolver, atira-lhe as vestes para o cão acorrentado, que as desfaz com os dentes. É também nesta ápoca, que Nikolai ficará muito impressionado com um terrorista, Rodion, que lhe prevê um futuro radioso numa cidade esplendorosa, enquanto é reconduzido para o degredo donde fugira pelos militares colocados no seu encalço.
Uma derradeira referência para o Velho Eterno, que se cruza com os habitantes da região em todas as épocas ilustradas no filme, como se fosse um personagem mágico por todos reconhecido.
No segundo filme, que integra a primeira parte de «Siberíada» já estamos nos anos 20, pouco depois da Revolução Bolchevique ter conseguido prevalecer sobre os russos brancos czaristas. Desagradando à família, Nastya namora com Nikolai namoram, mas após uma briga decide-se a casar com um primo distante, Flip Solomin.
Tudo está preparado para a cerimónia, mas Nikolai recusa-se a aceitar essa possibilidade colocando-se de joelhos à porta dos Solomins para convencer a ex-namorada a voltar para o seus braços. Mas, por ela desprezado, vê os putativos cunhados pegarem em si, darem-lhe uma tareia e colocarem-no num barco a remos no rio, deixando a corrente levá-lo para jusante. É nessa altura, que Nastya se arrepende dos seus caprichos e despede-se da família para ir à procura de Nikolai com quem quer partilhar doravante a vida…
Chegados por esta altura ao intervalo já temos uma boa noção do que é o filme: um fresco épico, sem cenas desnecessárias e por onde perpassam alguns dos principais traços característicos da alma russa...
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