Se me fosse pedida uma lista dos melhores cinco filmes de Woody Allen, «Os Dias da Rádio» integrá-la-ia indubitavelmente por muito que não seja benquisto pelos alguns apreciadores da sua filmografia. E, no entanto, é dos que tem uma banda sonora mais entusiasmante, por muito que quase todos os títulos do realizador comportem músicas e canções memoráveis. E, sobretudo, tem uma reconstituição histórica irrepreensível, que nos ajuda a viajar momentaneamente ao passado glorioso em que o City Hall era a sala de espetáculos onde todos queriam ir para ver em direto as emissões transmitidas pelo rádio.
O tema do filme focaliza-se nessas emissões, que concentravam as atenções das famílias, ao mesmo tempo que acompanhamos a história de uma delas, cujo rebento, Joe, serve de narrador à história muitos anos depois de ter passado essa época gloriosa. Há igualmente a interligação do percurso da vendedora de cigarros, Sally White, protagonizada por Mia Farrow, que irá tornar-se numa das grandes estrelas de então, depois de situações tão complicadas como a de se ver presa no terraço de um prédio com um assediador ou o assassinato de um patrão da mafia à sua frente.
A terna nostalgia é omnipresente a contrastar com os castigos a que o jovem protagonista está sujeito ou com as discussões familiares a que assiste.
Há episódios burlescos como o sucedido com a tia Ceil que, na sua obsessiva busca de um marido ,acaba por ser abandonada por um dos candidatos num ermo, na noite em que os marcianos invadem a Terra de acordo com a reportagem de Orson Welles, ou verá outro, confessadamente casado, ir adiando, semana após semana, o momento de deixar a mulher e passar a viver com ela, que, iludida, vai acreditando.
Um dos castigos mais dolorosos, que Joe arrisca acontece quando assalta a caixa com os donativos destinados a financiar o Estado de Israel na Palestina para poder comprar o superanel do Vingador Mascarado, herói de uma das novelas de que não perdia nenhum episódio. Mas também entra no “currículo” o tingimento do casaco da mãe com os produtos do seu estojo de química ou quando conhece os primeiros estímulos amorosos na condição de «voyeur» de uma vizinha concupiscente.
Na voz-off de Joe já adulto e invisível ao espectador - que reconhece nele a de Woody Allen! - há sempre canções, que se recordam e logo associadas a pequenos acontecimentos da infância, ou a momentos hilariantes como a dos assaltantes de uma residência, que respondem acertadamente às perguntas de um concurso feito pelo telefone e garantem à família que tinham espoliado o retorno com eletrodomésticos novíssimos em folha.
Não faltam, igualmente, diálogos inesquecíveis como aquele em que um personagem comenta a recente viuvez de um homem (“deve estar ansioso por voltar a casar”) ou a subtileza da pergunta da mãe do miúdo a questionar-se como conseguirá apreciar devidamente a exibição de um ventríloquo em direto (“como sabemos que não mexe os lábios?).
Do princípio até ao fim todo o filme tem momentos memoráveis, embora possamo-nos questionar se haveria necessidade de o concluir com o drama da menina caída a um poço e que todos os ouvintes escutam com comoção até se concluir pelo desfecho infeliz. Mas essa foi a escolha de um Woody Allen, então em estado de graça e capaz de multiplicar sucessivamente títulos de uma imaginação inigualável.
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