Chegou ao fim a série «Uma Aldeia Francesa», que acompanhámos fielmente durante três meses. Em certas alturas ela entusiasmou-nos e levou-nos a dar razão aos que a diziam talhada para ser mostrada nas escolas por constituir apreciável ferramenta pedagógica. Noutras, não deixámos de sentir a inconsistência do trabalho dos argumentistas, que tanto davam relevância a alguns personagens - o Tequiero, filho adotivo de Marcel e Hortense Larcher é o exemplo mais óbvio - e logo as faziam desaparecer sem explicação. Da mesma forma acentuaram-se progressivamente as inverosimilhanças ao mesmo tempo, que se ia revelando uma vertente ideológica mais equívoca nos episódios respeitantes à época entre a Libertação de Villeneuve e a derrota efetiva dos nazis.
Desagradou-me a imagem demasiado rígida dos comunistas, que pareciam estar sempre pendentes das ordens do Partido, sofrendo-lhe as consequências quando com elas não se conformavam. Tendo em conta o heroísmo manifestado por muitos dos seus dirigentes, de que se realçam nomes como os de Jean Moulin ou Maurice Thorez, não deixa de ser esclarecedora a importância dada pelos argumentistas à figura do general De Gaulle e nenhuma à dos líderes emblemáticos da Resistência. Mesmo esta acabou por ser tratada como um bando desorganizado de gente sem grande consciência ideológica, muitas vezes mais interessada em entregar-se aos prazeres amorosos do que às tarefas da clandestinidade.
É verdade que houve situações terríveis como fuzilamentos sumários de colaboracionistas ou as degradantes provações impostas às mulheres, cujo delito fora a de se deitarem com alemães, mas a série empola-as ao mesmo tempo, que escamoteia os muitos casos de irrepreensível conduta republicana revelada em muitos locais.
Quase parece que os argumentistas pretendiam dar da França uma imagem, que os salazaristas também quiseram transmitir no pós-25 de abril, quando disseminaram uma pilhéria reacionária em como o país duplicara de população de um dia para o outro, porque sendo constituído por dez milhões de fascistas, transmutara-se do dia para a noite em dez milhões de revolucionários. No último episódio denuncia-se o comportamento torpe (que queremos acreditar ter sido minoritário em relação ao que sugere a série) dos que tinham denunciado os vizinhos judeus em 1942 ou 43 e, chegada a Libertação, logo se pretendem arvorar em cabecilhas dos justiceiros antifascistas.
Constitui estratégia típica da direita o recurso à lógica do todos ao molhe e fé em deus. O que na série significa mostrar a duplicidade de muitos colaboracionistas, por um lado capazes de crimes hediondos, mas ao mesmo tempo revelarem-se extremosos pais e amantes, umas vezes defendendo o Maréchal e por outras não se esquivando de dar uma mãozinha à Resistência.
Outra ideia falsa transmitida pela série foi a de associar a Cultura aos nazi fascistas e seus colaboradores, enquanto os resistentes eram um bando de brutos, que olham com desconfiança o desejo de um deles em montar uma peça de teatro no mato.
Nestas alturas apetece sempre voltar a Shinbone, a cidade do Velho Oeste onde John Ford situou a ação de «O Homem que matou Liberty Valance»: mesmo sabendo nós ter sido John Wayne a matar o melífluo Lee Marvin, a História registará ter sido o jovem advogado interpretado por James Stewart a colher os louros. Porque entre a História e a lenda convém muitas vezes optar por esta última.
No caso de «Uma Aldeia Francesa» sucede o contrário: em vez de alguns episódios da História, que queremos acreditar não terem feito figura de regra, seria muito mais interessante ter contado com a sua versão mais consequente a nível ideológico.
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