Muitas vezes confundem-se os conceitos de Revolução e de Revolta, que são, porém, bem distintos. Essa diferença será discutida no programa «Philosophie», que atinge a sua 200ª emissão no domingo de manhã, quando for apresentada no canal franco-alemão ARTE.
A Revolução implica um objetivo final, que corresponde ao desiderato lógico de um estado de revolta. Esta seria o movimento, enquanto a primeira constituiria o seu culminar.
Henry Thoreau, o poeta e filósofo naturalista norte-americano, que viveu entre 1817 e 1862, e muito escreveu sobre a desobediência civil, costumava considerar que, se se for fiel a si mesmo, conseguiremos sempre alcançar os objetivos: “Se avanças com confiança na direção dos teus sonhos e procuras viver a vida que imaginas, encontrarás o êxito a qualquer momento.”
Insatisfeito com o governo do seu tempo, ele excluiu-se da sociedade dos homens para viver como um eremita na atenção à Natureza, que considerava perfeita, seja no coaxar das rãs, seja na forma dos nenúfares. E, no entanto, ele não deixava de reivindicar um melhor governo, nomeadamente que pusesse fim à escravatura por ele tão execrada. Por isso, mesmo colocando-se numa lógica anarquista, reconhecia que nem todos o poderiam ser, porque haveria sempre a necessidade de um governo.
Nessa ambiguidade justificava a existência de três tipos de cadeiras no seu ermitério: umas para a solidão, outras para a amizade (já que, apesar de autoexcluindo-se da sociedade, ele continuava a receber amigos vindos de longe para o visitarem) e as demais para a sociedade (e há notícia dele organizar tertúlias com vizinhos).
A obediência a uma lei superior à dos homens, por corresponder ao seu interesse, é uma das reivindicações anarquistas. Porque suscitando o estado de revolta não deixa de reconhecer a necessidade de uma lei que, na sua irrepreensibilidade quanto ao respeito pelos critérios da igualdade e da liberdade, se tornasse inquestionável.
Curiosamente esta questão remete-me para um discussão de que aqui já falei há uns meses, quando estive em debate com o escritor Gonçalo M. Tavares e ele contrapunha a necessidade desse tipo de Lei à minha proposta de uma espécie de revolução permanente, enquadrável na lógica do Tempo Novo. Enquanto me batia pela relevância de uma dinâmica, que pusesse os interesses ligados á direita na defensiva, por estarem sustentavelmente postos em causa, o autor de «Jerusalém» defendia uma ferramenta estática, mas suficientemente forte para coagir os homens a respeitá-la nessa aceitação dos grandes valores humanistas. Uma espécie de Lei Justa.
Embora no ardor da discussão não tivesse abdicado do meu ponto de vista, o facto dessa dinâmica tender a perder-se com os que a suscitavam a render-se ao descanso de já serem desnecessários para que ela prossiga - e é assim que ela conheceria o seu dobre de finados! - levaram-me, posteriormente, a dar alguma razão àquela defesa intransigente da Lei, muito embora nela visse riscos totalitários. E é isso mesmo que Thoreau sugere num outro texto em que escreve: “num regime capaz de prender nem que seja um único ser injustamente, o verdadeiro lugar do Homem Justo é a prisão.”
Segundo ele temos, pois, que a Justiça é uma coisa e a Lei outra completamente diferente. Porque esta engendra sempre, e obrigatoriamente, alguma margem de injustiça e de violência.
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