Porque se trata de uma epopeia, que abarca a vida de duas famílias siberianas ao longe de sessenta anos da história soviética, o texto sobre o filme de Andrei Kontchalovsky teve de ser abordado em duas partes para o não tornar demasiado extenso. É que, como referi no que ontem aqui deixei escrito, «Siberíada» não tem cenas a mais, que permitissem amputá-las nos seus 200 minutos de duração.
No anos 30, Nikolai volta à aldeia natal donde tinha sido expulso por reivindicar a mão da bela Nastya. Que afinal acorrera à sua procura, deixando para trás o primo Flip com quem imaginara poder consorciar-se só para criar maiores ciúmes no namorado.
O recém-regressado traz consigo o filho Alexei e a ideologia bolchevique, que o levara a combater intensivamente os cossacos, responsáveis pelo martírio de Nastya. O objetivo, que o guia é a construção da estrada intentada em tempos pelo pai e direcionada para a temível Crina do Diabo, onde julga haver gás natural e petróleo. Mas um dos Solomins, Spiridon, não só escusa-se a colaborar no projeto como até o tenta travar, assassinando Nikolai.
Na década seguinte reencontramos Alexei, já adolescente a regressar à aldeia, fugido do orfanato para procurar Spiridon e vingar a morte do pai. Mas o Velho Eterno informa-o da ausência do assassino, entretanto aprisionado num campo a expiar o seu crime. Com o entusiasmo juvenil de quem descobre o primeiro amor, Alexei namora com Taya, neta do odiado inimigo, e que promete esperar por ele, quando regressar da guerra para a qual se alista como voluntário apesar da sua juventude.
No prólogo do terceiro filme dos quatro, que compõem «Siberíada», vemos um prólogo a preto e branco em que Alexei salva um capitão do exército sem saber de quem se trata. Ora ele é Flip Solomin, o irmão de Spiridon e o frustrado noivo de Nastya. Passa-se rapidamente para os anos sessenta quando Alexei integra uma brigada de perfuradores de petróleo enviados para a região da sua aldeia natal para lhe testar o potencial.
Já velho, Spiridon teme que ele o mate, mas Alexei limita-se a dizer-lhe em que consistirá a sua vingança: criar a tal Cidade esplendorosa em tempos anunciada a Nikolai pelo anarquista Rodion, e que será uma afronta ao seu anticomunismo.
No reencontro com Taya, Alexei não a reconhece apesar de momentaneamente lhe voltar a sentir a cumplicidade amorosa. Nos dois meses seguintes, porém, nunca a procura até enfim assim se decidir. Só que já o seu chefe de brigada, Taufiq tratara de dela se ocupar. Razão para, enfurecido, Alexei cometer um erro indesculpável na perfuração e provocar danos na instalação.
É por essa essa altura que Flip também visita a região na qualidade de primeiro secretário do Comité Regional. A informação que traz a todos perturba: acaba-se a perfuração que nada revelou até então e toda a aldeia será submersa por uma enorme barragem destinada a alimentar uma central hidroelétrica.
Num filme em que a passagem dos anos leva muitas personagens a não se reconhecerem entre si, nem Flip nem Alexei suspeitam já terem estado tão próximos durante a Guerra.
Alexei está decidido a sair de Elan e levar consigo Taya a quem propõe casamento - mas, orgulhosa, ela escusa-se! - quando ouve o som do enorme jacto de petróleo, que começa a jorrar das profundezas. Acorrendo à unidade de perfuração ajuda a salvar um colega, mas acaba por morrer carbonizado no guindaste de que se servira para o derradeiro ato heroico.
À distância, ao anunciar a descoberta de petróleo, que inviabiliza o projeto da barragem, Flip comunica a uma assembleia do partido a morte de um veterano da guerra, cujo nome inserido no telegrama lhe reaviva a memória para o momento extraordinário por ambos em tempos partilhado.
O filme conclui-se assim como homenagem ao esforço de tanta gente simples para que o regime soviético alcançasse os seus objetivos. Mal adivinhariam os produtores que, dez anos depois, essa fracassada Utopia implodiria sem remissão.
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