quarta-feira, junho 08, 2016

LEITURAS AVULSAS: A negação da escuta ou a negação da palavra?

Apesar de já não me sentir próximo das atuais ideias de Erri de Luca, mantenho-me bastante interessado no que ele vai escrevendo. Por isso olho com atenção para «Le Plus et le Moins», o seu título mais recente, em que ele opõe o carácter telúrico das lutas políticas da década de 70 aos tempos atuais, vistos como neles só caberem os interesses individuais e a competitividade perante o poder de compra, que se tem.
Divirjo dele na discordância quanto à possibilidade de serem já coisa do passado as grandes revoluções ao estilo das que sucederam no século XX.
Não é verdade que, no início de maio de 1968, o «Le Monde» punha em grandes letras de capa, que a França andava entediada, sem imaginar quanto se chegaria ao fim desse mesmo mês à procura da praia debaixo das pedras das calçadas atiradas contra os polícias de choque?
Erri di Luca reconhece que, embora tenham mudado a face do mundo, reescrevendo a respetiva geografia, as revoluções transformaram-se em ferramentas obsoletas.
Será tanto assim? Suscitem maiores picos de indignação em grandes massas sociais e logo veremos se elas, mansamente, aceitam a passividade das cercas do redil.
Se ele aponta como o último exemplo desse tipo de revolução iminente as grandes manifestações de 2003 contra a agressão imperialista ao Iraque, nós podemos ter presente a de setembro de 2012 contra a TSU em que faltou quem lançasse um súbito brado de tomada do Palácio de Inverno, ou seja São Bento e Belém, para muitos dos milhares, que encheram as ruas de Lisboa avançarem em força para algo de ainda mais memorável. A direita nesse dia não se livrou de um enorme susto!
O escritor italiano atribui o seu pessimismo à construção europeia e à criação do mercado único. Ora, ele considera que única era a juventude de há quase meio século que “partilhava as mesmas ações, os mesmos gestos, as mesmas palavras e até os mesmos perigos”.
Era essa convergência de modos de pensar e de agir, que leva Luca a classificar aquele passado como o de «anos de cobre» e não de «chumbo», como muitas vezes o crismam. É que o cobre é um condutor elétrico bastante mais eficaz para a rápida expansão de uma nova ordem, (ou desordem?), do mundo.
No que concordo com Erri de Luca é na impossibilidade de serem os antigos guerrilheiros desse tempo - alguns como o próprio autor, vinculados a organizações então qualificadas de terroristas urbanas - a ensinarem aos mais novos a “ciência” da revolta: “Essas experiências não se transmitem. Cabe à nova geração decidir do que pretende fazer. A geração precedente também não nos tinha ensinado a ideia de resistência, e fomos nós a decidir qual seria o nosso combate.”
Volto a discordar de Erri de Luca, quando ele considera não existir hoje em dia um problema de “negação da palavra, mas o da negação da escuta.” 
É verdade que (ainda) dispomos das redes sociais para dar livre vazão aos nossos estados de alma, mas o maior problema atual quanto à liberdade de expressão não é essa negação em ouvir, mas o de sermos continuamente bombardeados por televisões, rádios, jornais e outros meios de comunicação pertencentes a grandes grupos económicos apostados em nos formatarem as mentes de acordo com os seus interesses financeiros.

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