Como grande parte dos seus leitores, conheci a escrita de John Irving através do romance «O Estranho Mundo de Garp», cuja versão cinematográfica nos permitiria ver pela primeira vez Robin Williams e Glenn Close nos ecrãs. Foi em 1978 e ainda recordo como, em viagem do Golfo Pérsico para Sines pela rota do Cabo, o livro me permitiu passar mais rapidamente os entediantes e lentos dias.
Irving nascera durante a II Guerra Mundial - em março de 1942 - em circunstâncias muito semelhantes à desse primeiro personagem mais mediático: a mãe era uma enfermeira solteira, oriunda de uma família tradicional, que nunca lhe diria quem fora o verdadeiro progenitor. Assim, o apelido de Irving proviria do seu pai adotivo.
Aos 21 anos abandonou o New Hampshire natal para vir até à Europa, vivendo um tempo na Europa onde se consorciou pela primeira vez Desde então, ao ritmo de um romance todos os três anos, tem construído uma sólida reputação literária cujos aspetos mais comuns são os ursos, as prostitutas, a luta greco-romana e o cinema.
No título mais recente, agora surgido em França, há uma frase que o define: “os acidentes, em grande parte, não nos chegam verdadeiramente a surpreender.” Por isso aborda aqui um milagre como consequência de um percurso religioso, que se assemelha a uma procissão. Havendo, como habitualmente nos seus livros, um sacrifício.
O protagonista é Juan Diego Guerrero, um escritor cinquentão, que poderá ser uma espécie de alter ego do próprio Irving. Ele anda a tomar Viagra para combater a impotência e outra medicamentação para compensar os esforços do seu frágil coração.
Vendo a velhice aproximar-se decide viajar até às Filipinas para cumprir a promessa feita em jovem a um gringo americano, que encontrara em Oaxaca, a cidade onde nascera e em cuja lixeira procurava encontrar o mínimo de alimentos, que lhes permitissem sobreviver a ele e á irmã, Lupe.
Esse objetor de consciência da guerra do Vietname fizera-o prometer que, a acontecer-lhe algo de mal, como efetivamente não tardaria a suceder, iria visitar o cemitério americano de Manila para lhe visitar o túmulo do pai.
É claro que Juan Diego tem tudo contra ele: não sabe o nome do seu interlocutor, nem muito menos o do respetivo pai. Como ser bem sucedido numa missão quase impossível?
Pelo meio temos de tudo: raparigas trapezistas muito bonitas, que o dono do circo olha concupiscentemente cá de baixo. Jesuítas que atiram para a fogueira os livros por eles tidos como proscritos e até mesmo blasfemos. Defesas veementes do aborto. Orgasmos violentos. A sida e o sarcoma de Kaposi. As prostitutas e os transsexuais. Tudo isso amassado numa escrita assumidamente influenciada por Shakespeare, Dickens, Hardy, Melville e Hawthorne.
O périplo que percorre o México, passa para os Estados Unidos e chega às Filipinas, não corresponderá ao que de melhor Irving já produziu, mas garante sempre um entretenimento inteligente.
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