terça-feira, junho 28, 2016

(DL) «Comédie Française» de Fabrice Luchini

Em 2015, quando estava a rodar o mais recente filme de Bruno Dumont, o ator Fabrice Luchini decidiu ocupar os tempos de espera na sua roulotte com a evocação de todos os acontecimentos, que fizeram dele quem é hoje: mais do que alguém que ganha a vida a interpretar personagens em filmes, reconhecem-no como um dos melhores declamadores franceses dos nossos dias. Os seus espetáculos a dizer a poesia de Rimbaud ou de Céline, quando não mesmo a narrar as Fábulas de La Fontaine, têm assistências inesperadas, chegando a encher salas com lotações acima de mil espectadores.
E, no entanto, ao princípio nada o predispunha para esse percurso: aluno cábula, saiu da escola para ser cabeleireiro ou estafeta pelas ruas parisienses. Um dia, quase por acaso, foi parar ao casting que Eric Rohmer estava a fazer para aquele que viria a ser um dos seus mais mal amados filmes - «Perceval, le Gaullois» - conseguindo o papel principal.
A generalidade da crítica prodigalizou-lhe “mimos” difíceis de digerir, mas Roland Barthes achou o contrário e, como por essa altura, ele era um dos Papas da cultura parisiense, Luchini ganhou um certo estatuto intelectual apesar de continuar a gastar os dias a lavar e a cortar cabelos.
Uma namorada pô-lo a ler Nietzsche e Céline e ele adorou, mesmo pouco percebendo do que diziam. Mas a musicalidade das frases fazia-lhe sentido e foi assim, que começou a dar pequenos saraus de poesia no Thêatre du Rond Point.
A sua seleção de autores sempre me pareceu mais do que ambígua: como tenho reafirmado noutros textos, Céline poderá ter sido um escritor brilhante (e há quem o afiance com muita propriedade!), mas não deixa de ser aquele que, em textos abjetos, apelou aos nazis para que acelerassem o massacre dos judeus na França ocupada. Por isso mesmo, se tenho apreciado - e bastante! - o desempenho de Luchini em filmes, não me passaria pela cabeça gastar tempo e dinheiro para lhe ouvir as palavras de tal biltre.
A autobiografia revela isso mesmo: depois de uma breve  ligação à extrema-esquerda, que o levou a inclusivamente vender o «Rouge» nos mercados, Luchini decidiu alhear-se da política, o que sabemos bem o que verdadeiramente significa. Por isso conta entre os seus amigos o atual ministro da Economia, esse Macron que deu a Valls a oportunidade para fazer o que ele pretendia - implementar uma política assumidamente a contracorrente da matriz histórica do Partido de Mitterrand - ou Finkielkraut, esse ex-maoísta, que se converteu num dos mais queridos gurus da direita francesa.
Quer isto dizer que coloco Luchini num índex? Claro que não, porque têm sido muitos os filmes em que me tem impressionado muito favoravelmente com o seu desempenho. Vê-lo adotado pelas porteiras espanholas de um prédio parisiense, que lhe dão a conhecer a sua cultura, a discutir com Lambert Wilson quem desempenhará os papéis de Alceste ou de Philinte no cenário da ilha de Ré, ou ainda a apaixonar-se por uma émula de Mme Bovary, que se torna sua vizinha, constituíram momentos cinematográficos memoráveis, que justificam a gratidão, que lhe voto como ator,
Mas a autobiografia dá razão à esposa de um atual ministro francês, que, como pessoa, o terá classificado de «snob et méchant”.



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