1. No início de 2015 Anita Ekberg morreu decrépita e sem recursos económicos em Roma, a cidade para cuja mitologia tanto contribuíra ao banhar-se com o seu sumptuoso vestido negro na Fonte de Trevi em 1960.
La Dolce Vita, o filme de Fellini, que a celebrizara, já era em si a constatação de uma decadência incontornável feita de sexo, álcool e festas sem fim. Mas nenhum desses prazeres revelava-se eficaz no sacudir do tédio, que todos pareciam sentir.
Enganadoramente cativa de um momento, que terá julgado sem fim, Anita viu o tempo avançar, inexorável, e condená-la ao destroço humano quase por todos abandonado à sua solidão.
2. Hitchcock revela o mais sombrio dos seus estados de alma em «Os Pássaros». Conhecendo-se-lhe a obsessão pelas belas e esguias loiras, que lhe eram inacessíveis, ou não contasse com a sempre vigilante e maternal Mrs. Hitchcock a seu lado durante a rodagem, ele sujeitava-as a incríveis provações como se fossem culpadas da sua inacessibilidade e justificassem as mais perversas punições.
Compreendem-se assim as situações difíceis por que passa Tippi Hedren ao deslocar-se ao outro lado da baía de Bodega só porque Rod Taylor lhe parecera particularmente apetecível, quando o encontrara numa loja de animais a comprar um pássaro engaiolado para a irmã mais nova.
Ora, se a putativa sogra a olha com desconfiança e a provável cunhada só sente por ela curiosidade - denotando ambas as fêmeas a preocupação pelo domínio do seu território - serão os pássaros a castiga-la pelo atrevimento, que mais não augura do que uma inequívoca pulsão sexual.
Se o misticismo católico aponta para os castigos vindos dos Céus, os pecados de Tippi Hedren não podiam encontrar mais simbólicos polícias dos “bons costumes” do que essas aves assassinas.
Há quem ainda analise o filme de uma forma mais lúbrica como é o caso da escritora Olivia Rosenthal, que olha para a idade dos atores escolhidos pelo mestre Alfred e sugere uma relação incestuosa entre o já quarentão Rod Taylor com a própria mãe e de cuja ligação teria resultado a “irmã”. O filme poderia ser, então, lido como uma manifestação ainda mais óbvia da que teria resultado da personagem de Anthony Perkins em «Psico», que levaria a fusão com a mãe à assunção da sua identidade assassina após a sua morte.
Convenhamos que as loiras - não esqueçamos que Janet Leigh, que morria na banheira nas primeiras cenas de «Psico» - tendiam a dar a volta ao miolo do mestre do crime.
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