Ou tenho andado muito distraído ou a série televisiva dedicada à época de Luís XIV, que passou há já algumas semanas na RTP1 não teve a atenção merecida dos media.
De início ainda li qualquer coisa sobre a má recetividade do público francês a uma série, que pôs a corte de Versalhes a falar inglês e, sobretudo, a dar ao sexo a importância efetivamente a ele conferida na época, se tivermos presentes alguns relatos de então. Mas, pelos vistos, ainda causa muito incómodo a alguns gauleses, que o irmão do rei surgisse como pederasta, efetivamente condizente com o que dele se sabe.
Mas reconheçamos que se trata de problema não exclusivo dos mais preconceituosos habitantes do Hexágono, porque , entre nós, um dos livros mais saborosos de Aquilino sobre as Misérias e Grandezas dos Príncipes de Portugal também era fértil em histórias de alcova não propriamente conformes com os padrões vigentes. Pelo menos no meu caso, nunca mais voltei a olhar para Pedro I, o Justiceiro, como o vira a propósito dos seus amores românticos com Inês de Castro, porque o Mestre Aquilino descreve-o como um libidinoso incontrolável, decidido a enfiar o seu membro viril em tudo quanto ele coubesse, tratasse-se de dama da corte ou de algum bem apessoado cortesão.
O argumento de Simon Mirren e David Wolstencrof até se revela bastante fiel ao que os historiadores já há muito concluíram sobre a mudança de paradigma da realeza francesa, decidida a libertar-se da forte pressão da nobreza para, a partir de Versalhes, criar a génese do Estado Absoluto. Aquele em que o rei era o Estado, espécie de sol à volta do qual todos eram obrigados a rodar segundo rígidas regras de etiqueta. Se até o Rei «dançava»!
A reconstituição da época tem a irrepreensibilidade das séries anglo-saxónicas e as interpretações seguem os padrões correspondentes. Mas o maior elogio, que faço a «Versailles» tem a ver com a capacidade dos seus criadores em conceberem uma intriga bastante consistente em que estão em causa os conflitos religiosos ainda mal resolvidos apesar dos anos entretanto decorridos desde o massacre da noite de São Bartolomeu.
Teria preferido uma construção de enredo, que não nos levasse tão cedo a identificar em Rohan, suposto amigo fiel do soberano, o líder dos conspiradores mas, em compensação, ficaram em aberto fios de intriga por resolver, que abrem o apetite para a segunda temporada, já em rodagem desde janeiro, e cuja estreia mundial está marcada para outubro.
Outra limitação tem a ver com a informação insuficiente sobre os conflitos da época em que espanhóis, holandeses e ingleses competiam com os franceses pelo domínio europeu e africano. Quem não percebe as razões para o envio de uma embaixada à corte inglesa, ou porque surgem amiúde enviados dos reis suecos ou espanhóis, só tem de se apressar a consultar os sites onde esse tipo de informação está disponível.
O que podemos concluir é que, na época em que Luís XIV impõe Versalhes como a sua corte, Portugal nada conta para o xadrez político, ainda demasiado fragilizado pelas Guerras da Restauração em que se via ainda implicado.
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