Nas montanhas do Butão, um jovem monge dado às divagações oníricas, aguarda a chegada da televisão como se ela constituísse uma promessa de felicidade.
Em 1999 o rei Jigme Singye Wangchuk anunciou aos súbditos a decisão de autorizar as emissões televisivas e a Internet no pequeno país incrustado nos Himalaias.
Dez anos depois, Laya, uma aldeia situada a 4 mil metros de altitude e a dois dias de marcha da estrada mais próxima, está em vias de receber a tão desejada eletricidade. Torna-se assim possível ver televisão.
Aos 8 anos Piyangke fora confiado pela mãe aos cuidados do mosteiro da aldeia mas detesta a solidão e a férrea disciplina. O monge mais velho pergunta aos jovens pupilos: “Julgam que a televisão vos trará felicidade?”. “Sim”, exclamam em uníssono os miúdos. O mais sortudo será Piyangke a quem o tio convida a acompanhá-lo à capital, Thimpu, para a compra de um televisor.
Durante três anos Thomas Balmès acompanhou esse miúdo nas piruetas e passeatas, nas conversas com a mãe, na rude aprendizagem do budismo e na grande viagem até à grande cidade. Muito embora assumidamente inscrito no género documental, o filme constrói-se como se se tratasse de uma ficção.
Testemunha silenciosa, a câmara não explica, nem demonstra nada, deixando ao espectador o desafio da descoberta deste herói comovente, que nos possibilita um mergulho no mundo infantil e numa espécie de conto poético sobre o embate entre dois mundos muito distintos.
O realizador já se notabilizara com um outro documentário, «Babies», que propunha a descoberta do mundo visual e linguístico dos bebés. O que o levou a pretender avançar para um novo projeto com uma temática tão universal quanto aquele, que impressionasse o espectador mais pela imagem e pelas emoções do que pelo discurso narrativo.
Foi esse o propósito que o levou ao Butão para testemunhar a chegada da televisão a um mundo que até então a desconhecera.
Quando descobriu Piyangke ficou com a sensação de repetir o que provavelmente sucedera com Truffaut ao deparar com Jean-Pierre Léaud a quem daria o papel principal dos seus «400 Cents Coups».
Durante os três anos seguintes Balmès aprofundou a empatia entre ambos nas sete vezes que aí se deslocou para, durante várias semanas, ir acrescentando novas cenas às que entretanto ia trabalhando na mesa de montagem.
“Quis contar essa história como uma ficção (…) sem cenas ensaiadas, nem diálogos pré-estabelecidos. Cada sequência resulta de captações diretas da realidade tal qual ela ia acontecendo. (…) Se os personagens surgem de forma tão natural perante a câmara é por não terem a noção da imagem que vão dar. Nunca estão em estado de representação.”
«Happiness» não é um filme sobre os benefícios ou os malefícios da televisão, nem sobre o Butão, nem mesmo o retrato de Piyangke. É um conto sobre uma criança confrontada pela primeira vez com a “modernidade”. Constitui, assim, uma antropologia ao contrário em que culturas com fortes tradições culturais embatem num modelo ocidental e o questionam.
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