O ciclo de cinema soviético, atualmente em exibição no cinema Nimas, permitiu-nos descobrir uma das realizadoras mais interessantes dessa filmografia, Larisa Shepitko, de que dificilmente esqueceremos a sua obra-prima absoluta: «Ascensão» (1977).
Podemos lamentar que o seu percurso criativo tivesse ficado tragicamente interrompido aos 41 anos, pela morte brutal num acidente de viação, quando encetava a preparação de outro belíssimo filme, «Adeus a Matiora», que o marido, Elem Klimov trataria de concretizar de acordo com o argumento e as notas que ela deixara.
Em 1966, ainda antes de contar trinta anos, assinou a sua primeira longa-metragem, intitulada «Asas», sobre uma antiga heroína do Exército Vermelho, que se adapta mal à vida civil, apesar de idolatrada por imensa gente e lhe serem confiadas responsabilidades políticas, que a deveriam exaltar.
Nadya fora uma piloto de caça, que combatera o invasor nazi com grande sucesso, e vira-se desmobilizada depois de ferida. Duas décadas depois é a diretora de uma escola profissional destinada a adolescentes problemáticos.
Se as tarefas administrativas e burocráticas a entediam, frustra-a igualmente a incapacidade para vergar um aluno mais rebelde, que não se coíbe de lhe manifestar desprezo.
Tudo lhe era mais fácil quando pilotava aviões, razão porque visita amiúde os antigos colegas hoje dedicados à instrução de novos militares e com quem mitiga a nostalgia de um passado em que fora feliz.
Tenta, igualmente, aproximar-se da filha adotiva, que acabara de desposar um homem bem mais velho, mas é repelida como uma intrusa, que melhor faria não se meter na vida alheia.
Deprimida, ainda tenta outra alternativa, oferecendo-se para desposar um amigo, que parecera nela interessado. Mas confrontado com a hipótese de um súbito casamento ele escusara-se ostensivamente.
O filme é todo centrado em Nadya e na complexidade dos seus sentimentos, que ora se dividem entre a memória do passado ilustre e a monotonia entediante do presente.
Buscando uma saída ela apossa-se de um dos aviões de treino de um dos seus antigos colegas e voa em direção aos céus.
Larisa Shepitko desafia-nos para esse final aberto em que não sabemos se a protagonista regressará à base depois de um passeio evocativo dos seus tempos de aviadora, ou se se apossara do aparelho enquanto ferramenta de com tudo acabar.
«Asas» é um filme de sólida sobriedade e elegância, interpretado por uma Maya Bulgakova em estado de graça para este papel de uma mulher forte, mas cuja carapaça tende a ceder à progressiva consciência do que fizera com a própria vida.
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