quarta-feira, agosto 05, 2020

(NM) À procura do que desconhecemos


1. Andamos a descobrir os seis episódios já disponíveis na Netflix sobre a Ciência que em tudo se esconde e que a todos - habitantes deste planeta azul!  - nos liga. Connected é apresentado por Latif Nasser, um doutorado por Harvard, que é igualmente autor de duas bem sucedidas conferências na Ted Talks.
No segundo episódio, dedicado aos excrementos, tivemos a surpresa de vê-lo iniciado em Minde onde uma equipa de arqueólogos biomoleculares andam a recolher os vestígios aí deixados pelos nossos antepassados de há 50 mil anos e, através de análises laboratoriais, concluírem o que comiam, como viviam e que tipo de bactérias ou vírus os podiam afetar. Olhar para aquele bem organizado campo de investigação do passado e sabê-lo espelho da ciência praticada no nosso país, dá-nos motivo de orgulho e faz-nos pensar que os frutos da herança de Mariano Gago continuam a proliferar.
Visitando outros cientistas nas mais variadas geografias o divertido apresentador da série consegue que um dos responsáveis pelo sistema de esgotos de Londres confesse bater continência sempre que por ele passam os excrementos da rainha, constata como tudo quanto ingerimos (mormente medicamentos e drogas) vai parar aos rios e oceanos afetando a vida neles existente. Há excrementos bons - os das baleias, que correspondem a nutrientes trazidos das profundezas para servirem de alimento aos peixes, que vivem mais à superfície - e deles podem, igualmente, ser extraídos os promissores fagos, que correspondem à solução para vencer as temíveis superbactérias contra as quais nenhum antibiótico já consegue ser eficaz. E há a curiosidade, que já motiva certos cientistas da NASA sobre o que se encontrarão nos sacos abandonados pelas tripulações das várias missões Apollo, com esses dejetos, cujas bactérias e vírus não se sabe se sobreviveram a cinquenta anos de confinamento na superfície lunar.
No episódio anterior esteve em causa a Vigilância, questionando aqueles que exibem todos os aspetos das suas vidas nas redes sociais, nelas se encontrando até aquilo que desejariam escamotear, muito embora essas tecnologias sejam interessantes para compreender as razões, que levam umas aves, os sabiás, a anteciparem as nidificações para melhor escaparem aos furacões das Caraíbas, que nenhum sistema de previsão meteorológica consegue antecipar tão rigorosamente. Ou como as tecnologias de reconhecimento facial podem ajudar a compreender o humor de um animal e ser utilizado para manter vivas algumas criaturas quase extintas.
Surpreendente, igualmente, o terceiro episódio, dedicado à capacidade da poeira do Saara atravessar oceanos e ser capaz de fertilizar o solo da floresta amazónica ou retirar força aos furacões que se formam na costa africana e tendem a causar devastações nas Caraíbas ou no Leste dos Estados Unidos.
2. Há uns bons quarenta anos, andava eu num superpetroleiro da Soponata, o Neiva, quando um outro Oficial de Máquinas, o saudoso Antonino, questionou-me se conhecia a Dorita de Castel-Branco.
Nas longas viagens até ao Golfo Pérsico, com ida e regresso através do Cabo da Boa Esperança, esse tema era tão bom como qualquer outro para vencer a monotonia dos dias sempre iguais. E, nessa época, confesso que, apesar de ser aquela em que a escultora mais notoriedade conseguia recolher da atenção mediática, passava-me completamente ao lado, até porque o interesse pelas artes plásticas só me viria mais tarde, quando já não me bastava a dedicação à cinefilia ou à leitura.
Ficou-me o nome, uma referência aqui, outra acolá, desde então, até me surgir o documentário de Laurent Filipe intitulado À Procura da Moça Dorita. E que bela proposta é, ao fazer inteira justiça a uma mulher extremamente criativa e determinada, autora de obras merecedoras de melhor atenção do que vêm usufruindo, tanto mais que, muitas delas, estão expostas em espaços públicos por onde transitam multidões indiferentes às propostas estéticas ali a seu lado. Muitas delas dotadas de uma carga erótica, que a artista sempre considerou fundamental no seu trabalho, outras denotando um abstracionismo geométrico muito sugestivo.
O documentário entrevista os amigos que a conheceram e dela só dizem o melhor possível, mormente essa capacidade de nunca se deixar vencer pela doença, que a remeteu para uma cadeira de rodas nos últimos anos de vida.
A esta distância temporal gostaria de dizer ao Antonino que sim senhor, a obra de Dorita passou a merecer-me rendida apreciação. Só que também ele há muito se foi!

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