quarta-feira, agosto 12, 2020

(DIM) O Pacto de Adriana, Lissette Orozco (2017)


Grande foi a surpresa de Lissette no dia em que foi buscar a tia Chany ao aeroporto de Santiago do Chile e a viu levada presa pela polícia, acusada de ter sido uma das principais torturadoras da DINA, a polícia política do regime de Pinochet.
Nesse momento a jovem estudante de 19 anos desconfiou haver um segredo na família, que ninguém lhe confidenciara até então. Porque aquela tia divertida, que fora seu modelo e vivia na Austrália depois de ter trabalhado para a Força Aérea chilena, começava a ganhar outra identidade, que não a imaginada.  A princípio, porém, quis acreditar nas suas palavras: estava inocente e via no filme sugerido pela sobrinha o contributo decisivo para demonstrar a falsidade das acusações imputadas.
A investigação da jovem cineasta sobre Adriana Rivas vai confrontá-la com um dilema inesperado e doloroso: por um lado há o laço afetivo, que a ligava à tia, mas por outro não pode ignorar os muitos testemunhos, que vai recolhendo, até mesmo das colegas dela na DINA e contactadas por, supostamente, poderem corroborar-lhe a cada vez menos convincente afirmação de inocência. Uma dessas interlocutoras, a sinistra Gladys, tivera formação em enfermagem e aplicava a injeção de cianeto aos torturados entrados em coma depois dos interrogatórios.
De Adriana há quem lembre a fúria com que agredia os prisioneiros, mormente o dirigente comunista Victor Diaz, entretanto «desaparecido», levando os colegas a travar-lhe os ímpetos. E, no entanto, ela teima em como apenas secretariara os chefes da DINA, nomeadamente o general Contreras, braço-direito de Pinochet, nunca tendo contacto direto com os prisioneiros. Para ela o mais importante tinham sido os jantares com Franco, reis, embaixadores e outros políticos estrangeiros de visita ao Chile e de acesso inimaginável para a rapariga da classe média-baixa donde provinha socialmente.
Pouco a pouco o projeto inicial de Lissette vai-se alterando: deixa de fazer sentido inocentar a tia, razão porque a relação entre ambas redunda na rutura final. No entretanto, vai recolhendo imagens de manifestantes à porta das antigas torturadoras da DINA, coagidas a fecharem-se em casa para não lhes enfrentarem a ira ou sofrerem o desprezo dos vizinhos, situação semelhante à de Adriana na Austrália, aonde os antifascistas exigem a expatriação para o Chile donde fugira, quando se vira em prisão domiciliária enquanto aguardava julgamento.
Quase no final Lissette consulta um psiquiatra, que até lhe aventa a possibilidade de Chany acreditar na sua versão, apagando da memória tudo quanto fizera durante os anos da ditadura. E o que significaria libertar-se dessa prisão mental em que se fechara, porque a obrigaria a reconhecer moralmente indefensáveis todos os crimes, que tinham sido os seus...
Nós que nos lembramos de quem se dissera apenas telefonista ou manga-de-alpaca na Pide, nunca pagando pelos seus crimes, temos em Adriana Rivas um exemplo eloquente de quem enjeita assumir as responsabilidades por tudo quanto fizera enquanto serviu a ditadura.

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