quinta-feira, agosto 27, 2020

(EQ) As linhas vistas dos céus


Soube da existência das linhas de Nasca há uns cinquenta anos, quando andavam na moda uns livros de capa negra da Europa-América, que primavam pelas mais estapafúrdias explicações sobre fenómenos misteriosos, que retorciam imaginativamente como forma de se ajustarem ao que os seus autores - Jacques Bergier, Robert Charroux, entre outros - sugeriam. Quase sempre essas explicações iam dar a extraterrestres que nos tivessem visitado, antigas civilizações tecnologicamente avançadas e entretanto desaparecidas (a Atlântica era o mais glosado desses exemplos) ou convivendo clandestinamente connosco sob a forma de seitas ciosas do seu secretismo - os Rosacruz, os Templários, os Iluminate e sei lá quantos mais.
Há um par de anos iniciei o projeto de trazer da cave alguns dos muitos livros ali arrumados para lê-los e dar-lhes descaminho - se em bom estado entregando-os a bibliotecas para que nelas ganhassem novas vidas! Um dos que teve o lixo como destino foi um desses ensaios especulativos, que me forcei a ler nas cinquenta primeiras páginas, mas não suportei ir mais além: tudo aquilo era tão mau em argumentação e exposição, que seria estulta a intenção de a propiciar a quem nele se deixasse embrenhar por um acervo tão tenebroso de mentiras.
E no entanto essas misteriosas linhas existem no altiplano peruano, onde a costa meridional do país quase toca a cordilheira dos Andes. As explicações científicas, porém, não deixam grandes dúvidas a quem aposta nas provas colhidas das evidências e não as atribui a esotéricas razões.
O beija-flor, a aranha, o macaco ou a orca - só visíveis da perspetiva aérea como só foi possível na região a partir dos anos 30  do século passado - foram traçados com métodos topográficos rudimentares pelos antigos povos da região: os Paracas e os Nascas. Os primeiros viveram por alturas do início da era cristã, enquanto os segundos sucederam-lhes mais de meio milénio depois. Em tempos aqueles vales e encostas tinham acolhido fecundas terras, irrigadas pelos rios, que as percorriam. Sucederam-se depois os tempos de seca e, para grandes males, maiores remédios: sacrifícios humanos em que as vítimas eram sepultadas sem cabeça, desconhecidos rituais no deserto em templos a céu aberto definidos pelos milhares de linhas traçadas na região ou definidas por pedras de cores diferentes, que as realçavam. Revelada foi, igualmente, uma pirâmide, a de Cahuachi, que ascendia a trinta metros de altura.
Quando a colonização espanhola se estendeu por ali não mostrou grande entusiasmo: a civilização Nasca desaparecera há oitocentos anos e não deixara ouro nos vestígios então descobertos sobre a sua passagem por umas terras sem préstimo, porque quase sem água.
Tantos anos depois as linhas eram uma comunicação com deuses indiferentes à desdita de quem neles acreditava e tudo apostava na expetativa de verem de volta as prodigiosas chuvas, que a tradição oral terá transmitido de geração em geração como sendo no passado tão frequentes.

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