Soube da existência das linhas de Nasca há uns cinquenta anos, quando andavam na moda uns livros de capa negra da Europa-América, que primavam pelas mais estapafúrdias explicações sobre fenómenos misteriosos, que retorciam imaginativamente como forma de se ajustarem ao que os seus autores - Jacques Bergier, Robert Charroux, entre outros - sugeriam. Quase sempre essas explicações iam dar a extraterrestres que nos tivessem visitado, antigas civilizações tecnologicamente avançadas e entretanto desaparecidas (a Atlântica era o mais glosado desses exemplos) ou convivendo clandestinamente connosco sob a forma de seitas ciosas do seu secretismo - os Rosacruz, os Templários, os Iluminate e sei lá quantos mais.
Há um par de anos iniciei o projeto de trazer da cave alguns dos muitos livros ali arrumados para lê-los e dar-lhes descaminho - se em bom estado entregando-os a bibliotecas para que nelas ganhassem novas vidas! Um dos que teve o lixo como destino foi um desses ensaios especulativos, que me forcei a ler nas cinquenta primeiras páginas, mas não suportei ir mais além: tudo aquilo era tão mau em argumentação e exposição, que seria estulta a intenção de a propiciar a quem nele se deixasse embrenhar por um acervo tão tenebroso de mentiras.
E no entanto essas misteriosas linhas existem no altiplano peruano, onde a costa meridional do país quase toca a cordilheira dos Andes. As explicações científicas, porém, não deixam grandes dúvidas a quem aposta nas provas colhidas das evidências e não as atribui a esotéricas razões.
O beija-flor, a aranha, o macaco ou a orca - só visíveis da perspetiva aérea como só foi possível na região a partir dos anos 30 do século passado - foram traçados com métodos topográficos rudimentares pelos antigos povos da região: os Paracas e os Nascas. Os primeiros viveram por alturas do início da era cristã, enquanto os segundos sucederam-lhes mais de meio milénio depois. Em tempos aqueles vales e encostas tinham acolhido fecundas terras, irrigadas pelos rios, que as percorriam. Sucederam-se depois os tempos de seca e, para grandes males, maiores remédios: sacrifícios humanos em que as vítimas eram sepultadas sem cabeça, desconhecidos rituais no deserto em templos a céu aberto definidos pelos milhares de linhas traçadas na região ou definidas por pedras de cores diferentes, que as realçavam. Revelada foi, igualmente, uma pirâmide, a de Cahuachi, que ascendia a trinta metros de altura.
Quando a colonização espanhola se estendeu por ali não mostrou grande entusiasmo: a civilização Nasca desaparecera há oitocentos anos e não deixara ouro nos vestígios então descobertos sobre a sua passagem por umas terras sem préstimo, porque quase sem água.
Tantos anos depois as linhas eram uma comunicação com deuses indiferentes à desdita de quem neles acreditava e tudo apostava na expetativa de verem de volta as prodigiosas chuvas, que a tradição oral terá transmitido de geração em geração como sendo no passado tão frequentes.
Sem comentários:
Enviar um comentário