sexta-feira, agosto 28, 2020

(DIM) O racismo que há quem queira esconder


Na programação de hoje da Cinemateca esteve em evidência o cinema do mauritano Med Hondo de quem se puderam ver duas obras: como aperitivo a curta Mes Voisins (1971), que seria integrado dois anos depois na longa-metragem Les Bicots-Negres, vos voisins, seguindo-se-lhe o anterior Soleil Ô (1970). O pretexto para essa apresentação foi o integrarem-se na evocação que o Festival Indie está a dedicar aos 50 anos da Berlinale, onde esses filmes foram apresentados no início dos anos 70.
Med Hondo faleceu em Paris no ano passado depois de aí viver seis décadas. A princípio com as ilusões de quem aí aportara com pouco mais de vinte anos e julgava-se capaz de ser bem sucedido sem que a questão da cor da pele fosse problema. Tão entusiasmado militante político, quanto do cinema e do teatro, foi como ator, que começou a destacar-se, revigorando a tradição dos griots africanos, que conhecera através do próprio avô, um notável contador de histórias capaz de fascinar quem acorria a ouvi-lo. Muitas delas passadas ainda na época em que se sujeitara a usar as grilhetas impostas aos escravos.
A consciência do colonialismo e das suas versões recauchutadas depois das independências, sempre nortearam as preocupações de Hondo, nomeadamente quando passou para trás da câmara e criou os primeiros filmes.  O racismo e a vida difícil dos imigrantes africanos na sociedade ocidental passou a ser tema recorrente, tornando-o particularmente impressivo através das soluções de escolha de planos (nomeadamente os fixos, com as vozes em off) e de acompanhamento sonoro escolhidos para denunciar a persistência das injustiças ignoradas pela população branca, que nunca sentiu os olhares, as humilhações, as manipulações - o papel do proselitismo católico junto de quem era portador de outra cultura e valores civilizacionais surge aqui bem escalpelizado! - e outras estratégias de poder utilizadas por quantos pretendem manter incólume o atual estado das coisas.
Numa altura em que um perigoso Aldrabão anda a mobilizar imbecis para os convencer em como não existe racismo em Portugal, estes filmes, rodados há quase meio-século, continuam perfeitamente atuais.

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