domingo, agosto 16, 2020

(DIM) Vanilla Sky, Cameron Crowe (2001)


Desde 2001 Odisseia no Espaço, que o cinema tem-me dado alguns exemplos de filmes propícios a deixarem-me a pensar o que verdadeiramente estaria em causa na cabeça dos seus  realizadores com o que pretenderiam transmitir. Embora raramente me tenham suscitado questões tão profundas quanto as relacionadas com o célebre paralelepípedo do filme de Kubrick.

Vanilla Sky foi um desses exemplos menores, razoavelmente estimulantes na altura em que o vi, mas facilmente olvidável daí por diante.  Não fosse o caso de um canal televisivo o inserir na sua programação e continuaria nesse baú das memórias descartáveis.
Revisite-se-o, mesmo que brevemente: à partida temos um bem apessoado playboy  de Manhattan a usufruir das regalias de ser o rico herdeiro de uma fortuna gerida a meias com aquilo a que ele chama o «bando dos sete anões», um conselho de administração capaz de o olhar com a justificada desconfiança, que gente séria, mesmo que de honestidade discutível, dedica a betinhos com pouco tino.
Esse David Aames , que Tom Cruise personifica, tem por amante a vistosa Julie, tida como estimulante parceira de cama sem com ela fazer planos de ir mais longe. O contrário do que virá a acontecer com Sofia, a latina apresentada numa festa e de quem nunca mais lhe apetece afastar-se.
Acontece que os ciúmes de Julie levam-na a aliciá-lo para um passeio de carro, que transforma numa incursão rumo ao suicídio. Bem sucedido embora ele escape com o rosto desfigurado.
Por essa altura, e embora desde início seja sugerido que ele está preso por uma qualquer razão, o espectador é induzido a considerar-se perante um thriller romântico com trágicos desenvolvimentos à mistura. Só que a história complexifica-se mediante a intervenção de uma empresa, a Life Extension, capaz de manter pacientes em estado terminal numa espécie de sonho lúcido, que pode assumir contornos de pesadelo.
A intriga vai atrás no tempo ou acelera a sugestões futuras, que tornam confusa a definição de qual é o tempo presente do protagonista. Ele pode compreender quais as consequências do seu narcisismo inicial, mas ficará a duvidar de qual o estado da relação amorosa vivida efemeramente com Sofia.
Acabaremos por aventar pelo menos cinco hipóteses possíveis para tudo quanto ali vemos: será que, conforme o sugere o «suporte técnico» da Life Extension, passaram cento e cinquenta anos sobre os acontecimentos congelados na memória de David e ele acorda para um futuro imprevisível? Não será todo o filme um sonho sem nexo com a realidade como o atesta o adesivo colado no carro de David a situar um momento da história em 30 de fevereiro de 2001? Estaremos a viver o confuso sonho de David, quando está em coma? Não estaremos a ver traduzidas em imagens a história escrita em livro pelo amigo de David e por isso meramente ficcional? Ou tudo mais não será do que a alucinação do personagem, quando está na mesa de operações enquanto lhe fazem a cirurgia ao rosto?
Esse final em aberto terá contribuído para o relativo insucesso de bilheteira e o desapreço da crítica norte-americana, que gosta de coisas bem explicadinhas tintim por tintim
Acrescem as referências a uma excelente fotografia, que remete para o céu baunilha de um quadro de Monet - «O Sena em Argenteuil» - e uma banda sonora tanto mais interessante, quanto nela se detetam temas dos Sigur Rós.

Sem comentários: