Como foi possível uma tão gloriosa imaginação em Mary, quando estava nos 19 anos de idade e concebeu a história do professor Frankenstein e sua singular criatura: O objetivo era entreter o amante, o poeta Percy Shelley, e os amigos de ambos, Lord Byron e John Polidori, nas noites frias passadas na casa na margem do Lago Leman, onde passavam uma temporada.
O espanto é tanto maior, quanto é sabido ter sido obra de talento nunca mais igualado nas que se lhe seguiriam. Mas a jovem vivia um momento peculiar na sua vida: fugira da conservadora Inglaterra com o amante casado para se salvaguardar das intempestivas reações do progenitor e da má-língua londrina. A paixão avassaladora, que sentia, estava de acordo com a mentalidade romântica do seu tempo, quando se potenciavam emoções, quer no quanto poderiam ter de jubilatório, quer de trágicas desilusões.
O romance escrito em 1816, mas incessantemente reeditado e traduzido nos dois séculos seguintes, remetia não só para o Romantismo - então no seu fulgor! -, mas também para a teoria do bom selvagem de Jean Jacques Rousseau, já que o monstro começa por ter boa índole, quando acordado pela eletricidade, mas é a rejeição, de que se vê alvo ao encarar com quem lhe surge pela frente, a despertar-lhe os instintos assassinos. Como se a sociedade humana fosse a verdadeira responsável pelo que de pior emergiria do íntimo de cada um dos seus membros.
A Natureza, que serve de cenário ao drama, com os contrafortes alpinos a dar-lhe majestosa expressão - embora os glaciares descritos no livro já se tenham transformado em agrestes caminhos rochosos! - , continua a fornecer exemplos de emoções românticas intensas como sucedeu em 13 de julho de 2017, quando o degelo revelou os corpos mumificados de um casal desaparecido setenta e cinco anos antes nas mais elevadas altitudes, aonde se haviam deslocado para verificar como estavam as suas cabeças de gado nas pastagens da transumância estival. A imagem dos cadáveres ainda discerníveis conteve algo de grotesco, que se enquadra dentro do género ficcional que a criatura de Mary Shelley inauguraria na literatura e, sobretudo, no cinema. Tanto mais que, nas últimas páginas do romance, quando o criador já morreu na sua presença, a sua criatura promete acabar com os crimes dirigindo-se para o deserto gelado e aí morrer.
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