terça-feira, fevereiro 12, 2019

(DIM) A estratégia da aranha ou a dificuldade de discernir entre um herói e um traidor


Há quase cinquenta anos - o filme é de 1970 - vi um dos filmes de Bertolucci, que melhor me ficaram na memória: «A Estratégia da Aranha». Um homem jovem chegava a uma pequena vila com nome da propriedade de Scarlett O’Hara em «E Tudo o Vento Levou» (Tara), e constatava o culto aí prestado ao pai, Athos Magnani, não só seu homónimo, mas igualmente seu sósia. Ruas, estátuas e edifícios públicos ostentavam-lhe o nome como homenagem a ter caído, vitimado pelas balas do fascismo.
A teia de aranha começa a colar-se a Athos, quando contacta com os que tinham sido amigos do pai, ou com Dreifa, reconhecida como sua amante oficial. É ela quem o incita a descobrir a identidade do assassino, descrendo da versão oficial segundo a qual viera de Cremona um desconhecido, que se incumbida do contrato pata o matar.
As suspeitas incidem no latifundiário local, mas ele afiança-lhe que muita pena tivera em não ter sido um dos seus camisas negras a conseguir tal feito. Por seu lado, Galbazi, Costa e Rasori contam-lhe o projeto de aproveitarem a vinda do Duce para inaugurar o teatro e o fazerem explodir com uma bomba montada no seu camarote, quando o «Rigoletto» chegasse à sua cena culminante.. Mas o ditador decidira não vir, frustrando-lhes os intentos.
Somam-se, entretanto, os prenúncios que Athos-pai recebera antes de ser assassinado. Tal como sucedera em «Macbeth» uma cigana alertara-o para a iminência do crime, e, a exemplo de Júlio César, fora avisado a não entrar no teatro por um estranho motociclista, que lhe dissera da inevitabilidade de ali ser morto se arriscasse pôr os pés.
Athos descobre a verdade, quando é demasiado tarde: fora o pai quem, em telefonema anónimo, alertara os esbirros de Mussolini quanto à preparação do atentado para o matar. Desmascarando-se, Athos propusera aos cúmplices serem eles a matarem-no, porque se um traidor prejudicaria a luta antifascista, mesmo depois de morto, pelo contrário um herói, sobre quem se alimentariam, tantas lendas só poderia beneficiá-la. No fundo Athos-filho fica num dilema: seria o pai um herói ou um traidor?
Viria a ter muito tempo para encontrar reposta para a questão, porque estaria doravante condenado a ficar ali preso: de um instante par ao outro, a linha férrea, que o havia trazido, surge-lhe coberta de ervas como se inutilizada há muitos anos. O ter conhecido a verdadeira história do progenitor agarrara-o definitivamente naquela teia, verdadeira bolha parada no tempo para nela salvaguardar a genuinidade do mito.
Revisto agora na Cinemateca este filme, baseado num conto de Borges, continuará a perdurar-me como grata recordação, pela eficácia com que exemplifica a ambiguidade dos estatutos heroicos, que possamos reconhecer a alguém.

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