quinta-feira, fevereiro 21, 2019

(DIM) «Eu Estou bem, não se preocupem» de Philippe Lioret (2006)


As vidas comuns, as que afetam os nossos vizinhos nas desumanizadas metrópoles em que vivemos, e a quem nem sequer costumamos dirigir a palavra, podem ser muito complicadas. As suas expressões carregadas, porventura tristes, podem albergar dramas, que nem suspeitávamos de quanto sofrimento pudessem implicar. É essa a conclusão a retirar deste filme de 2006 sobre a família Tellier, imersa num segredo, que nos é desvendado antes do genérico final, mas desconhecemos por quanto tempo mais continuará latente entre os quatro protagonistas, todos dele inteirados, mas impedindo-se de o verbalizarem.
De início temos Lili que, aos dezanove anos, regressa de umas férias passadas em Barcelona e, surpreendida pela ausência do irmão gémeo, Loïc. Ela não vê razões justificativas para a sua saída de casa uns dias antes. Incapaz de compreender o gesto, e muito menos o silêncio às suas mensagens para o telemóvel, entra num processo depressivo, que impõe o internamento como forma de a obrigarem a comer e a beber, algo de que se privara nove dias a fio.
O que se segue é uma descrição do sistema hospitalar na vertente psiquiátrica como um microcosmos concentracionário em que as próprias famílias ficam impedidas de contactar com os pacientes. A irreversibilidade do seu estado parece inevitável, quando recebe uma carta do irmão, a contar-lhe das andanças de cidade em cidade, até encontrar poiso que sinta como seu. Manifesta, sobretudo, um ódio visceral pelo pai, cujo comportamento pequeno-burguês verbera.
Nessa altura do filme conjeturamos muitas possibilidades para quanto está a acontecer, menos aquela que virá a desvendar-se. Lili, já recuperada, e a compensar a saudade do irmão com uma relação amorosa prometedora, descobre ser o pai o verdadeiro autor das missivas de Loïc. Sob a fachada conservadora ele conseguira congeminar uma solução possível para evitar a perda da filha. Porque, como o namorado dela descobrirá por mero acaso, Loïc morrera na sua ausência em Barcelona, quando praticava escalada. E o casal Tellier decidira, algo incompreensivelmente, silenciar a tragédia para a poupar a uma dor, que se revelara afinal bem maior. Porque pior do que saber-se a razão da perda, é a de permanecer inexplicável, sem razão que a fundamente...
Não se trata de um daqueles filmes, que mereçam perdurar duradouramente nas nossas memórias, mas é exemplar na capacidade de suscitar fruição enquanto se o vê. Porque sabe manter o mistério até se justificar esclarece-lo e nos testar na capacidade de evitarmos conjeturas, que, acaso fossem as escolhidas por quem escreveu a estória, e depois a adaptou ao cinema, seriam bastante mais estereotipadas...

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