A única vez que estive em Bombaim foi no seu aeroporto durante um par de horas para seguir na direção da Austrália. Porque nunca ali estivera pus de lado a tentação de prosseguir no sono, enquanto durava o reabastecimento, e fui espreitar o movimento de pessoas à gare apesar de, sendo madrugada, o frenesim em nada se comparasse com o que ali ocorreria durante as horas diurnas.
À distância de tantos anos fica-me a sensação de um espaço mal iluminado com uns cafés abertos onde aproveitei para beber alguma coisa. Nada, em suma, que me desse uma aproximação do que era o espírito daquele lugar.
Agora, em dois dias seguidos, vi reportagens sobre a cidade nos dias de hoje, quando o nome já mudou para Mumbai por pressão dos fundamentalistas hindus, que com ele quiseram vincar a legitimidade de só ali residirem os prosélitos das suas crenças, tornando ainda mais malquistos os muçulmanos. Não admira que, há uns quantos anos, um comando desse credo rival tenha invadido o seu hotel mais luxuoso, o Taj Mahal e ali tenha causado uma terrível carnificina. Há ódios, que convém não atiçar em demasia. Na outra reportagem constatava-se como a cidade está rebentar pelas costuras com os seus vinte milhões de habitantes, muitos dos quais a viverem na rua.
A poucas semanas das eleições, que poderão devolver ao Partido do Congresso a liderança governativa, a grande metrópole está em expansão e a especulação imobiliária tende a empurrar ainda mais para as margens os que, socialmente já assim vivem, mormente os que habitam o enorme bairro-da-lata de Dharavi. Daí que haja muitos jovens a mobilizarem os familiares e vizinhos para não se deixarem intimidar pelos que defendem a prioridade do direito de propriedade sobre o da ocupação de vastos espaços, que o Estado reivindica comercializar em seu exclusivo proveito. A luta de classes continua agudizada num país capaz de revelar obsceno luxo ao lado de repulsiva miséria.
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