Já vimos tantos filmes e lemos tantos livros sobre a obra de Van Gogh, ademais apreciada em demoradas visitas ao Museu a ele dedicado em Amesterdão, que uma nova proposta de no-lo dar a conhecer teria de ser olhada com desconfiança. O que poderia Julian Schnabel trazer-nos de novo, se quase tudo - até mesmo o sombrio período em que o futuro pintor tentou profissionalizar-se como pastor protestante numa comunidade mineira na região do Borinage (Bélgica) - já foi mais do que escalpelado?
A resposta surgiu da apreciação do filme, que tem dois sólidos motivos para justificar o tempo e a deslocação: a enormíssima interpretação de Willem Dafoe (mas qual o filme em que o possamos ter considerado abaixo de excelente?) e as escolhas do realizador para ilustrar o projeto. Optando por rápidos movimentos de câmara, Schnabel traduz nesses planos, ora ao nível das pernas do protagonista, ora seguindo-o, amiúde rodeando-o em travellings de quase 360º, uma dinâmica equiparada à complexidade dos pensamentos de que ele estava eivado. O filme dá prazer nessa forma diferente de fazer cinema, mesmo parecendo respeitar na narração os cânones da biografia mediante a sucessão praticamente cronológica dos últimos anos do pintor.
Há. Igualmente, a construção dos espaços em que Van Gogh procurou radicar-se, que dá uma caracterização muito detalhada da paisagem do sul francês batido pelo mistral e a reiteradada misantropia do artista relativamente aos seus ignaros vizinhos.
A concluir, assume-se a polémica tese de, em vez de suicídio, ter sido por homicídio, que o pintor morreu, continuando por compreender os motivos do respetivo encobrimento.
Temos, em suma, uma abordagem mais do que competente sobre a vida e a obra de um artista singular, fascinado pela luz e pela suposta presença divina na Natureza, porventura nascido demasiado cedo, já que só postumamente viria a ser justamente reconhecido quanto ao seu talento.
Sem comentários:
Enviar um comentário