quinta-feira, janeiro 17, 2019

(PtE) Disco de Nebra, Mordóvia e Coreia do Norte


São muitas as ocasiões em que lembro a expressão de Sócrates em como, quanto mais sabemos, melhor compreendemos a dimensão infinita da nossa ignorância. Vem isto a propósito de, só ontem, ter-me deparado com a existência do disco de Nebra, descoberto vinte anos atrás no leste da Alemanha. E de que impressionante objeto arqueológico se trata, por constituir a mais antiga representação da abóbada celeste conhecida até agora: há três mil e seiscentos anos, quando ainda nem sequer havia acedido à escrita, a população dessa região fora capaz de afixar num disco de cobre o sol, um crescente da lua e as constelações das Plêiades.
Houve na altura quem desconfiasse de uma fraude, mas o estudo isotópico do chumbo contido no cobre eliminou quaisquer dúvidas. Os investigadores, que aprofundaram a análise chegaram a outras conclusões interessantes: para além de basearem as sementeiras e as colheitas em função do posicionamento dos astros, esses habitantes da Idade do Bronze mantinham relações comerciais com populações de outras regiões do continente com quem trocavam mercadorias e conhecimentos. Os de carácter astronómico podem até indiciar a influência dos sábios do Médio Oriente, por essa altura bastante avançados na tentativa de compreensão do cosmos a partir dos seus zigurates.
Conclui-se que, mesmo no que ao passado mais distante diz respeito, as surpresas permanecem inesgotáveis. Mas não só!
Até ontem desconhecia a existência da Mordóvia que, a exemplo da Bordúria ou da Sildávia, repúblicas fictícias onde se passaram algumas das aventuras de Tintin, atribuiria facilmente ao imaginário de Hergé. Afinal trata-se de uma pequena república situada a sudoeste de Moscovo e que tem Saransk por capital.
Se ainda ligasse às coisas do futebol ter-me-ia apercebido que, no mais recente Mundial de futebol, a seleção portuguesa jogara ali contra o Irão, entusiasmando a pequena cidade (quase) totalmente rendida a dois Vladimires: Putin, que a escolheu para ser uma das sedes do evento de há dois anos atrás, e o fundador da URSS, que tem elegíaca estátua a adornar-lhe a praça central.
Noutra alternativa, e se Gérard Dépardieu fosse ator que merecesse a atenção quanto às polémicas atividades extracinematográficas, também me teria dado conta da sua passagem por ali, quando o senhor do Kremlin lhe atribuiu a cidadania russa. Mas do sobressalto suscitado pela sua breve passagem só restam algumas peças de artesanato destinadas aos improváveis turistas ali cativados pela realidade periférica do grande país euroasiático.
Os repórteres do canal ARTE só encontraram um rabugento opositor à grande maioria dos conterrâneos - e também ele com nome de Vladimir - que pertence ao Yabloko, partido de direita, particularmente ativo na denúncia da corrupção pelos titulares do regime, sobretudo porque não beneficia quem a ele não pertence, como é o seu caso. Mais de cem anos passados sobre a Revolução, que abalou o mundo, a Rússia continua a ser outro grande alfobre de surpresas.
Jã da Coreia do Norte não se pode dizer o mesmo: as sucessivas reportagens ali filmadas vão demonstrando que, mesmo com o obrigatório acompanhamento dos guias do regime, o neto de Kim il-Sung vai transformando o país, aproximando-o lentamente do que é hoje a China. As fábricas e as quintas-modelo mostradas aos estrangeiros, com objetivos de propaganda, não deixam de constituir a vanguarda de uma profunda transformação, que tenderá a aproximá-la da outra parte da península, quiçá mesmo a ultrapassá-la. Daí que talvez pequem por apressadas as críticas dos que reduzem aquela realidade a uma grotesca opereta. A anunciada morte da dinastia dos Kims é capaz de ser exagerada...

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