domingo, janeiro 13, 2019

(DL) A não autorizada biografia de Saramago


Entrei com alguma desconfiança na biografia não autorizada de José Saramago, assinada por Joaquim Vieira, por nela antever a possibilidade de ver enfatizados alguns dos argumentos utilizados por gente de direita para o desqualificar. Vinte anos passados sobre a merecida consagração com o Nobel, muito gostariam os detratores, que um narcísico invejoso, que por aí escrevinha, também se visse igualmente galardoado, para lhes dar a possibilidade de, promovendo intensamente este, fizessem esquecer o mais possível o outro.
É curioso que Vieira não aposta nas críticas do costume ao escritor - os saneamentos no período passado à frente do «Diário de Notícias», quando acatou a decisão coletiva do Conselho Geral de Trabalhadores incidindo sobre uns quantos medíocres, cujo nome não voltaram a merecer qualquer relevo, tão indigente era a sua contestação aos que tentavam empurrar a Revolução bem mais para diante do que o pretenderia o próprio Partido Comunista - mas enfatiza a tendência do escritor para se deixar sugestionar pelos atrativos femininos, não perdendo ocasião de flirtar com quantas pudessem atiçar-lhe a libido, mesmo tendo relação estável do ponto de vista conjugal, ou simplesmente afetivo. Ilda Reis, que foi a sua primeira mulher, ou Isabel da Nóbrega, a quem esteve ligado durante anos - e o terá influenciado no sentido da sua sofisticação burguesa! - terão dele padecido os efeitos da traição.
Bastará para condenar o homem, que não deixava de ser de carne e osso, e replicava um certo marialvismo também constatável em muitos dos seus pares? Não o considero, porque Saramago não era nenhum santo para só ter virtudes que, essas, concentraram-se, sobretudo, no seu enormíssimo talento literário.
O livro dá-me, porém, uma convicção: vendo-se magoado por tantos que o terão humilhado, desprezado, ostracizado - incluindo o Partido, cuja bandeira cobriu a urna por altura do funeral - Saramago deverá ter-se sentido justiçado com muitos juros, quando recebeu em Estocolmo o reconhecimento da sua obra. Eu, que lhe lera quase todos os romances, nos vinte anos anteriores, tivera no dia do anúncio do Prémio uma alegria quase equivalente à da Revolução, que ele muito amara e por quem queimara as asas ao nela voar demasiado alto. Daí que nunca deixe de o enaltecer, de lembrar que nenhum outro escritor - nem mesmo o tão incensado Pessoa - me terá impressionado tanto pela forma como criou narrativas de surpreendente originalidade e as traduziu em palavras e frases de um engenho, que não vi igualado por mais ninguém.

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