quinta-feira, janeiro 24, 2019

(PtE) Crianças e felinos ameaçados


Há uma miúda com dois ou três anos a vaguear por uma pastagem sob céu ameaçador. Os cães dividem-se, ora acompanhando-a, ora perseguindo as vacas, que por ali pastam. E nós tememos o que possa suceder à criança, porque os animais movimentam-se aleatoriamente à volta, arriscando-se a atropela-la, a feri-la. E já não são só os bovinos, porque também existem cavalos a trotar nas redondezas.  Às tantas ouvimo-la a chamar pela mamã, pelo pai, por Eliezar, que viremos a descobrir ser o irmão. A noite aproxima-se, cai rapidamente, trazendo consigo as trovoadas.
Trata-se de um pesadelo, que ocorre enquanto dorme, mas não podemos deixar de conjeturar o que terá sentido a garota, filha do realizador mexicano Carlos Reygadas, quando ele a sujeitou a tal cena no início do filme «Post Tenebras Lux». Se é certo que ela estava sempre acompanhada por quem a filmava, a circunstância em que se viu colocada não deixa de suscitar justificadas interrogações sobre a utilização de jovens atores em enquadramentos cinematográficos, potenciadores de traumas não despiciendos de importância.
A situação repete-se com uma miúda, porventura mais nova, que acompanha Mickey e Bunchy Donovan na sexta temporada da série comandada por Liev Schreiber. Apesar de irrepreensível no desempenho, o que terá sentido a miúda, apresentada como filha do mais novo dos irmãos, nas cenas em que é levada ao colo para uma casa onde adultos desconhecidos se vestem e falam de forma tão singular?
Como de costume vemos Ray acossado por tantos focos de tensão à sua volta, que tendemos a esquecer pormenores como o atrás considerado. Mas eles reiteram a pertinência dos riscos psicológicos em crianças enfiadas em ficções  de que nada compreendem.
Mas são tantos os perigos, que os mais desprotegidos enfrentam numa sociedade, que os tendem a ameaçar! Um documentário da BBC revela como a expansão urbana e das pastagens de gado, reduzem drasticamente os antigos territórios selvagens por onde os jaguares do Pantanal brasileiro viviam tranquilos. Agora o choque com a presença humana resvala, inevitavelmente, para a sua morte. E se durante a rodagem do filme ainda existia um Ministério do Ambiente, que minimizava essas tragédias, a nova realidade política com Bolsonaro como presidente, só tende a agravar exponencialmente o que progredia negativamente a um ritmo acelerado para a extinção de tais grandes felinos.

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