segunda-feira, janeiro 07, 2019

(DL) O Romance Gráfico: 4ª parte - A obra de Allison Bechtel


«Fun Home: a Family Tragicomic» é um dos títulos mais interessantes do romance gráfico norte-americano, tendo surgido em 2006 pela mão de Alison Bechdel. Abordava a infância e adolescência da autora numa zona rural da Pensilvânia e o relacionamento tumultuoso com o progenitor.
Muitíssimo premiado, mas também suscitando grande polémica, com grupos conservadores a promoverem a sua censura a pretexto de «pornografia» e de promoção de um estilo de vida LGBT», resultara de um lentíssimo processo criativo, em que cada desenho pressupusera a prévia pose da autora para uma fotografia, que lhe serviria de referência.
No início do livro o agente funerário Bruce Bechtel denota uma ambição obsessiva quanto à restauração da casa vitoriana em que a família vive. Depressa se compreenderá que a raiva por ele demonstrada para com os filhos resultava do recalcamento da homossexualidade, que concretizava clandestinamente com alguns dos alunos da escola onde ensinava inglês, ou fora igualmente vivenciada na passagem pelo exército. Posteriormente, aos 44 anos, quando a mulher lhe exigira o divórcio, optara por se enfiar debaixo de um camião, acabando de vez com a tortura entre ter de aparentar uma personalidade e ter outra completamente diferente.
A exemplo desse pai, Allison também se descobriu sexualmente orientada para pessoas do mesmo sexo e com idênticas tendências obsessivas compulsivas. O choque com Bruce resultara de constituírem inversões um do outro, ela querendo ser masculina e ele feminino.  A maior diferença entre ambos consistiu em ela vir a assumir a orientação sexual sem problemas de maior, quando, aos 19 anos, concluiu a sua evidência, enquanto o pai sempre procurara esconder a sua.
O romance não tem apenas interesse por essas diferenças entre pai e filha. Nele surgem referências mitológicas (Ícaro e Dédalo), literárias ( Albert Camus, Scott Fitzgerald, Henry James, Oscar Wilde, Marcel Proust ou James Joyce), pictóricas (pop art) ou televisivas que ajudam a enquadrá-las num contexto civilizacional mais alargado. Nesse sentido a leitura é desafiante por deixar ao leitor a margem interpretativa de relacionar essas cauções intelectuais com a prosaica realidade dos personagens.

Sem comentários: