terça-feira, janeiro 01, 2019

(EdH) Um certo Vladimir


Diabolizado por quem teme ver a História reatar fios perdidos nas sucessivas experiências falhadas de aplicação do socialismo científico, Vladimir Ilich Oulianov bem merece ser admirado pela ímpar personalidade por muito que, ainda em vida, tenha constatado a diferença trágica entre as ideias muito certinhas estruturadas na forma de teoria, e o que a prática ditaria como com ela incompatíveis.
No fundo sucedeu a Lenine - porque é dele que se trata! - o que um antigo treinador do Real Madrid descreveria com imensa graça para explicar o fracasso da equipa numa temporada em que a dirigiu: ele punha os jogadores certos no sítio adequado dentro do campo, só que o árbitro apitava para dar início a cada jogo, e eles mexiam-se donde tinham começado por estar.
O socialismo científico, tal qual o revolucionário russo o idealizou, tinha todas as condições para ser perfeito se aplicado em robôs sem emoções, muitas delas associáveis ao que de pior existe na índole humana. Álvaro Cunhal também usaria o mesmo argumento para explicar a implosão dos regimes de leste no início dos anos noventa.
Mas independentemente de considerar que essa teoria só tem de ser revista à luz da experiência colhida por tantos fracassos, importa reconhecer que o seu criador, desenvolvendo as ideias expressas por Karl Marx, era um notável intelectual russo do seu tempo, nascido numa família abastada (como o foram todos os grandes líderes progressistas, ao contrário dos fascistas, quase sempre nascidos no campesinato ou na pequena burguesia!) e, que passaria quase toda a existência a estudar incansavelmente para melhor fundamentar a estratégia eficaz para derrubar o regime czarista. Quer quando esteve preso, quer quando foi frequentador assíduo da biblioteca de Zurique, ele quase teria preferido que ali o deixassem para aprofundar ainda mais o seu conhecimento. Esse desejo de aceder a uma sabedoria única, talvez tenha sido a grande virtude, e também o maior defeito da sua vida. Porque sendo um autêntico «rato de biblioteca», quase nunca contactou com os que deveriam ser, a seu ver, os atores determinantes da Revolução. Via-os como peões de leis sociais, que julgava axiomáticas, e afinal se viam condicionadas por fatores, com que não contavam. E, por isso mesmo, a Revolução Bolchevique depressa se desviou do rumo utópico, que deveria ter sido o seu.

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