quinta-feira, janeiro 24, 2019

(DL) Um Nobel anunciado e outro que o conquistou


Li muitos dos romances de Haruki Murakami e nenhum verdadeiramente me entusiasmou. Talvez a razão esteja na tradução do japonês para a nossa lusa língua, porventura incapaz de devolver o sortilégio das sonoridades nipónicas, mas, sendo o seu sucesso quase global, desconfio não residir aí o motivo de um tão vasto leque de leitores, que o autor vem acumulando nos diversos continentes. Não intuo que o inglês , o francês ou qualquer outro dos cinquenta idiomas em que está traduzido, tenha vantagem sobre o português na capacidade de melhor traduzir o seu suposto génio.
A verdade é que reencontro sempre as mesmas estórias de um narrador abúlico, desconcertado por se ter visto abandonado pela conjugue - imaginá-la nos braços de um rival é dos poucos laivos de emoção, que o fazem sair da costumada apatia! - e imerso numa excêntrica alteridade, num psicadelismo sem as cores garridas, que lhe mantém a confusa interpretação do que vivencia.
Os parágrafos também se tornam redundantes ao multiplicarem-se em explicações sobre o que se depreenderia por breves frases. Há, depois, a intenção de dar ao leitor a sensação de ver um filme, fazendo de cada obra uma espécie de script cinematográfico e não propriamente uma proposta literária dotada de estilo próprio e idiossincrasia original.
Perante juízo tão depreciativo, porque me atiro agora à leitura do primeiro dos dois volumes de «A Morte do Comendador», o título mais recente de Murakami? Pela razão, porque leio tantos outros, que se anunciam nobelizáveis e me merecem porfiada antipatia! Com raras exceções - Céline é a mais óbvia! - gosto de fundamentar a opinião sobre o que, literariamente, possui impacto mediático.
No romance agora abordado confirmam-se as traves mestras das narrativas murakamianas: um bem sucedido pintor de retratos sai de casa, tão só a mulher lhe anuncia a intenção de dele se divorciar, partindo no velho Peugeot para longe do bulício de Tóquio. Vencidas as primeiras dezenas de páginas, os encontros com as realidades paralelas ainda estão por se verificar, embora, logo de entrada, Murakami tenha dado um aperitivo sob a forma de uma homem sem rosto a quem o narrador não consegue retratar. Veremos como evoluem os capítulos seguintes.
De entre os muitos livros de cabeceira, que vou alternando na respetiva descoberta, aproximo-me do final da biografia de Joaquim Viera sobre Saramago, que me suscita ambivalente apreciação. Excelente na demorada abordagem de toda a obra, continuo a tecer reticências a respeito do que roça a coscuvilhice. Retornei por ela àquele odioso governo cavaquista, que censurou «O Evangelho segundo Jesus Cristo», e estimulou a mudança para Lanzarote, realimentando-me as piores emoções para com os medíocres, que nos desgovernaram em nome de uma direita inculta e apenas interessada em cumprir os seus desígnios ideológicos. Não admira que a grandiosidade do talento do escritor lhe suscitasse tanta aversão: os que não conseguem emergir da mais frívola banalidade detestam quem os suplanta pela excecionalidade dos seus méritos...
Das leituras sublinho, igualmente, a constatação de um crítico francês em relação à reedição de uma obra de Philip Roth («Indignação»): segundo se queixa, nos livros que se vêm publicando localmente, constata-se a persistência de haver uma cena de felação nas primeiras cinquenta páginas.  Como se os escritores atuais tivessem uma fixação fantasmática nessa vertente sexual. 
A «moda» passara-me até aqui despercebida, provavelmente porque não ando a ler os mesmos livros. Razão para, doravante, estar atento a esse sinal dos tempos...

Sem comentários: