1. Numa das suas crónicas, Tolentino Mendonça escreve sobre uma coreógrafa francesa, Nadia Valori-Gauthier que, desde o atentado ao Bataclan em 2015, regista diariamente um minuto dedicado à dança. Trata-se de uma performance singular, captada nos mais diversos cenários, e que pretende saudar a vida no que de único contém. Ela vê nesse ato artístico um modelo de resposta a Nietzsche, segundo o qual se deveria dar como definitivamente perdido o dia em que não se tivesse dançado pelo menos uma vez. Ora ela dança, dança, dança, não se cansa de dançar. E eu, que sou um pé de chumbo com pergaminhos antigos de dolorosas pisadelas em quem comigo arriscou dançar, só posso admirar a beleza de movimentos, concebidos como expressão de repúdio aos que, em nome de inomináveis crendices, condenaram quem desconheciam a perderem definitivamente o usufruto dos dias...
2. O rosto, as mãos e os olhos de Jorge Molder constituem a matéria sobre que fundamenta um dos mais singulares percursos artísticos da nossa contemporaneidade. Perante as enormes fotografias em que lhe admiramos a plasticidade das mãos, a expressividade do olhar, ou as marcas que a idade lhe foi acentuando no rosto, interrogamo-nos sobre o sentido do que vemos. O que nos quer transmitir o artista, que nos chega a incomodar, quando fixa a câmara e coincide com o cruzamento do nosso olhar?
Será natural, que a sua subjetividade não coincida com a nossa, por serem diferentes os vivenciares e as inquietações. Pessoalmente faz-me refletir sobre o imparável tempo, que consigo tudo leva. Como na canção do Léo Ferré. Mesmo se registados os efémeros instantes em que uma objetiva se fecha e deixa perenizada a corporalidade de quem aqui terá vivido.
Nesse sentido, e embora, se trate de projeto diferente, como não associar Molder à recém-desaparecida Helena Almeida, que nos deixou inesquecível testemunho da sua desesperada vontade de respirar?
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