quinta-feira, janeiro 03, 2019

(DIM) «Ludwig, o Crepúsculo dos Deuses» de Luchino Visconti (1972)


Há quarenta e cinco anos - já os capitães de Abril andavam a reunir para acabarem com a longa ditadura! - estrearam-se em Lisboa, quase em simultâneo, dois filmes dedicados ao rei Luís da Baviera. Não me recordo em que cinema foi exibido o de Visconti, mas a preferência pessoal levou-me ao saudoso Estúdio do Império, onde vi a versão criada pelo alemão Hans Jürgen Syberberg. Ao academismo do realizador italiano, preferi a proposta mais arrojada, que os críticos franceses haviam considerado bem mais interessante.
Terei sido injusto para com o grande mestre, que tanto merecera encómios pelo contributo para o neorrealismo dos anos 40 e 50. Ver-lhe  o filme, sem o preconceito de o considerar senil do ponto de vista criativo, constituiria o mínimo tributo a que, lamentavelmente, me escusei. Mas, aos dezassete anos, merecemos perdão pela arrogância dos juízos, que entendíamos definitivos.
Valha a verdade que a reação negativa dos críticos se devera, igualmente, à versão retalhada, que fora distribuída pelos ecrãs europeus sem o assentimento do realizador: a hora cortada na montagem para que não excedesse as três de duração - ainda assim julgada comercialmente incomportável pelos exibidores! - terá dado a quem a viu a sensação de desequilibro estrutural, inexistente na que ia além das quatro horas.
É por isso mesmo que se justifica dar devida importância à apresentação dessa versão original, consentânea com o que Visconti concebera, na sessão da Cinemateca do dia 19 deste mês. Para além das interpretações irrepreensíveis de Helmut Berger enquanto Ludwig, de Romy Schneider como Sissi, ou de Trevor Howard no de influente Richard Wagner, o filme adequava-se perfeitamente à época em que se estreou, e muito particularmente, ao crepúsculo do fascismo peninsular: a exemplo do rei bávaro, as ditaduras ibéricas viviam a ilusão de perdurabilidade numa época, que as tornava, dia-a-dia, mais obsoletas. Recusando-se a ver uma realidade, que tendia a acabar-lhe com o reino para o absorver no grande Império Germânico, Ludwig procurava criar uma outra alternativa, feita de óperas intemporais e de castelos magníficos com arquitetura ilustrativa do seu incurável romantismo. Que tudo se conjugava para acabar mal, era uma evidência para os cortesãos, que conspiravam-lhe nas costas, assustados pelas contas excessivas para a riqueza dos cofres do Estado e ansiosos por se verem incluídos na nova realidade, que Bismarck andava a construir.
Razão de sobra para reservar nas agendas a data em causa, que será acontecimento maior na, já de si, rica oferta das salas da Rua Barata Salgueiro.

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