A hipótese é colocada pela pintora Maria Beatriz que tem uma exposição na Casa da Cerca de Almada e conjetura sobre o que sentiria Van Gogh, quando pintou o célebre quadro «Os Comedores de Batatas».
Ao «JL» ela considera que, a exemplo de outros quadros, esse era um protesto contra as condições de vida da altura: “Nas suas cartas, ele disse mesmo que queria que aquelas batatas fossem como pedregulhos que se pudessem atirar, como protesto.”
O escritor Reinaldo Ribeiro, que anda a fazer um laborioso e solitário trabalho de tradução das cartas trocadas entre Vincent e o irmão Theo, decerto poderá esclarecer-nos muito mais sobre o conteúdo dessas missivas e o quanto a pintora há muitos anos radicada em Amesterdão terá razão na formulação desse protesto progressista para a altura.
Recordemos que Van Gogh chegara à região flamenga da Bélgica onde estavam as suas minas de carvão para junto das respetivas populações dar seguimento à formação em Teologia, que acabara de fazer na Universidade de Leiden. O confronto com a pobreza extrema a que estavam sujeitas, ter-lhe-á suscitado uma crise pessoal muito intensa, porque de que valeria difundir a mensagem salvífica a quem Deus parecia ter esquecido no sofrimento a que as sujeitava?
Embora o quadro tenha sido pintado em 1885, ou seja seis anos depois dessa experiência missionária, ele reflete a indignação, que sentira e o levara a fazer desenhos claramente filiados na escola realista de Millet, mas retratando os desfavorecidos sem qualquer embelezamento, reproduzindo-os tais quais os via.
Chegará esse período para considerar Van Gogh um dos pintores progressistas do século XIX?
O seu arreigado individualismo - mesmo quando Gauguin lhe veio partilhar os dias as tensões tornaram-se-lhes insustentáveis! - tende-o a negar. Não conheço de Van Gogh mais do que obras, que testemunham a inaceitabilidade da pobreza, mas sem outra consequência lógica decorrente dessa constatação. Nunca terá engrossado os movimentos socialistas, que por essa altura, grassavam por toda a Europa. Se alguma vez desejou ver transformadas as batatas em armas de arremesso contra os exploradores nunca terá procedido de acordo com essa consciência.
Mas a opção pelas batatas como único alimento disponível para as populações mais miseráveis tem sido abordada em filmes recentes, que nos deixaram uma indelével na memória.
Um deles foi o tão belo, quanto desesperado «Cavalo de Turim», rodado pelo húngaro Bela Tarr, que com ele proclamou o desejo de não voltar a assinar qualquer outro filme.
No ambiente cinzento de uma quinta no meio de nenhures um pai e uma filha vão-se alimentando de batatas enquanto esperam por uma qualquer salvação, que acaba por nunca acontecer.
Em «Eu, Daniel Blake» o carpinteiro desempregado, condenado à mais aflitiva das misérias pelo kafkiano sistema de (des)apoio aos desempregados, junto do qual procurava solução para o facto de não ter saúde para continuar a trabalhar, nem aceitação do seu pedido de passagem à reforma, não tem mais que comer senão esses tubérculos com que vai enganando a fome, quando já nem os tarecos de casa lhe restam.
Esses sim são exemplos de obras a que não conseguimos ficar indiferentes, e que expressam uma vontade de denúncia mobilizadora para a mudança do que neles está exposto.
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