Daqui a poucas semanas cumprem-se dois anos sobre o atentado cometido em 7 de janeiro nas instalações da redação do «Charlie Hebdo». Para os que escaparam com vida a superação psicológica da experiência não tem sido fácil. Como é o caso de Catherine Meurisse que escapou por nesse dia se ter deixado dormir até tarde e comparecer atrasada à reunião do comité de redação.
O desaparecimento de tantos amigos, colegas e mentores, foi para ela um choque devastador. Ali ficava o seu espaço criativo, a sensação mais evidente de liberdade. Tal qual a sentira nos dez anos anteriores. É que, em 2005, ainda estudante de Belas Artes, fora para ali contratada.
Nos dias seguintes à fuzilaria ela perdeu a memória e a imaginação, temendo ver cerceado em definitivo o seu percurso profissional.
A questão da identidade era a mais relevante: afinal andavam todos a dizerem-se Charlie e ela a questionar-se sobre quem era. As imagens de manifestações e de um consenso político a nível global sobre o horror, que se viera instalar-se na vida, foi sentido por Catherine como algo de assaz exterior às próprias emoções.
Vendo-a devastada os amigos metem mãos à obra e levam-na para sul ao encontro da paisagem deslumbrante da Duna do Pyla, perto de Bordéus. Oportunidade para ela se ver acometida de inesperada epifania: o choque estético com a beleza no seu estado puro.
Tinham-se passado quinze dias e ela recomeça enfim a desenhar, a desenhar-se. Porque é isso que se lhe torna urgente: descobrir como se tornou protagonista de uma história tão perturbadora. Decide, pois, representar o medo na forma de uma parede invisível, que se vê obrigada a atravessar e onde deixa para trás, pendurado, o célebre quadro de Munch.
A superação desse medo só tem nela uma resposta: a focalização voluntaria só no que é Belo. Se tem de operar a catarse, que ela se concretize tão-só pelo recurso ao que pode haver de mais gratificante na arte, na cultura, na vida em si.
O regresso ao seu antigo emprego ficou excluído como hipótese. Embora continue a trabalhar como ilustradora, Catherine optou por o fazer sem vínculo exclusivo a um qualquer grupo editorial. Como free lancer conserva o estatuto de liberdade, que se tornou o único em que reconhece exequível a continuidade do seu trabalho. O mais recente é um álbum intitulado «Ligeireza» e refere-se a isso mesmo: com tantos motivos para dificultar a vida de todos os dias a solução reside em ignorá-los e, em alternativa, empolar tudo quanto a possa suavizar.
Não é aquilo que todos desejamos?
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