Em «A Tempestade», Prospero é um personagem algo estático porque sendo mago, usa o saber para forçar os inimigos a arrependerem-se, quando seria mais lógico que deles se vingasse. Não é por isso interessante do ponto de vista dramático, mas pelo que diz.
Vale a pena estar atento à sabedoria que decorre das suas palavras, que seriam as de uma espécie de alter ego do autor que, ao despedir-se da laboriosa atividade de dramaturgo, decidiu desfazer-se da própria varinha mágica com que construíra os universos de tantas obras.
Lembremos as suas célebres palavras através da boca de Prospero: “Criai ânimo, senhor; nossos festejos terminaram. Como vos preveni, eram espíritos todos esses atores; dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável. E tal como o grosseiro substrato desta vista, as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se, como se deu com essa visão tênue, sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria dos sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono.”
Há, porém, quem dê de Próspero outra interpretação alternativa: em oposição ao escravo Caliban ele representaria a aristocracia, que oprimiria o povo devido aos seus «poderes», mas a quem viria a ter de ceder o lugar.
No final do século XIX, Ernest Renan explorou esta hipótese no seu drama «Caliban», mas reconheceu a Próspero a sapiência e a consciência de superar a condição de classe, contentando-se com o poder do espírito depois de derrubado pelo escravo.
“Sou o instrumento de uma vontade que procura” dotar os homens dos novos conhecimentos pelos quais se possam engrandecer e alcançar o que só existia antes no domínio da imaginação.
Numa sequela dessa obra, Renan acentua a personalidade desprendida de Prospero, que recusa conspirar contra o próprio povo, contentando-se com o papel de Investigador apostado em, pela ciência, contribuir para o progresso social da humanidade. Para se libertar definitivamente dessa condição de classe abdica do nome e dos bens, pretendendo contagiar os semelhantes com uma felicidade indiferente a improváveis paraísos, ou seja indiferente a qualquer metafísica.
O seu discurso mais vibrante diz: “É necessário tomar sempre partido pelos mais virtuosos, mesmo sem termos a certeza dessa virtude não constituir mais do que uma mera palavra.”
O despojamento a que chega permite-lhe despedir-se da vida sem sofrimento, no momento por si escolhido, inventando a morte doce e intencional, que constitui o clímax de um humanismo na sua mais elevada dimensão. Porque livre de qualquer receio dos deuses...
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