No fim da adolescência, quando o marcelismo assinalava o estertor da ditadura imposta aos portugueses desde 1926, houve um realizador, que me passou a chamar a atenção nas memoráveis sessões de cinema das seis da tarde no velho Monumental ou nas sessões especiais do Império: Robert Rossen. Ele era um dos sobreviventes da caça às bruxas do senador McCarthy e só retomara a interrompida carreira de realizador na década de 60, quando assinaria um dos grandes filmes dessa década - «A Vida é um Jogo» - no qual um jovem e imaturo Paul Newman era forçado ao doloroso banho de realidade com os constrangimentos da vida adulta.
Na altura deixei passar «Lilith e o seu Destino», filme igualmente muito amado pela minha geração, mas que passou em altura da minha forçosa indisponibilidade para a ele ter acedido.
Singularmente só agora, mais de meio século passado sobre a sua concretização é que o pude apreciar e concluir da justeza dele ser, apesar das evidentes fragilidades, um daqueles em que logo se pensa quando se trata de citar quando se evoca o talento de Jean Seberg. É ela essa Lilith que até no isolamento do próprio hospital psiquiátrico, cultiva a sua própria solidão.
É, então, que aí surge Vincent Bruce, acabado de desmobilizar da guerra da Coreia e decidido a fazer o que estiver ao seu alcance em prol dos outros. Mais adiante perceberemos porém, que não resolveu a angústia, manifestada no seu íntimo, e tem a ver com a incompreensão por ter-se declarado a loucura na mãe, entretanto já desaparecida.
Contratado como ergoterapeuta, apesar de totalmente inexperiente em tal função, depressa Vincent se vê, sem rede, a acompanhar os esquizofrénicos ali internados pelas endinheiradas famílias e ganhando-lhes a aparente empatia.
Lilith é aquela a quem irá dedicar progressivamente a sua particular atenção, enamorando-se e sem compreender como ela o está progressivamente a manipular como se se tratasse de um Ícaro atraído para demasiado perto do perigo, que lhe queimará as asas.
No final é com toda a naturalidade, que o vemos a pedir ajuda a quem o contratara como assistente, e agora o tomará como outro paciente. Porque, antes já Rossen nos preparara para tal desenlace numa cena à beira de um lago, em que Lilith se espelha nas águas e logo destrói tal reflexo. Ou numa outra em que Vincent perde o paradeiro dela, subitamente engolida pelo nevoeiro.
O que mais ressalta no filme é a capacidade expressiva de Jean Seberg em sobressair a ambiguidade do seu comportamento, capaz de suscitar a sedução destrutiva dos que, por ela, se matarão ou enlouquecerão...
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