A comédia em cinco atos, que Shakespeare criou em 1599, mas só seria publicada em 1623 não é das mais interessantes por ele assinadas: a intriga é fraca, os personagens pouco desenvolvidos, só sobressaindo verdadeiramente o bobo e o melancólico pastor. Mas se aceitarmos esses personagens como representações de estados de alma, que exprimem diversas formas de perspetivar o amor, ela transforma-se numa espécie de tapeçaria bordada com motivos bucólicos, ou não se subordinassem todos eles ao transcendente espírito da floresta.
Não se pode também considerar que a história fosse originalmente criada por Shakespeare, porque ele próprio a considerava a versão dramatúrgica de um romance de Thomas Lodge, datado de 1590, que, por outro lado, se inspirara numa novela de Geoffrey Chaucer no século XIV.
No início temos uma situação muito semelhante à de «A Tempestade»: Frederick usurpara as terras do duque seu irmão, que se refugiara com a família na Floresta de Arden só deixando para trás a bela Rosalind, que está muito ligada à prima Celia, filha do novo titular do domínio feudal.
Um dia, num torneio organizado na corte, surge Orlando a não só vencer, mas a conquistar o amor de Rosalind. Mas, como é identificado como um dos partidários do antigo duque, tem de fugir à pressa, para junto desse exilado suzerano.
O próprio Orlando vivera uma situação semelhante à do seu novo anfitrião, porque quando o pai morrera, o irmão Olivier desapossara-o de qualquer parcela da herança, obrigando-o a partilhar a condição e o estatuto dos súbditos, até o decidir expulsar por insubordinação.
Pelos súbitos laços estabelecidos com Orlando, Rosalind é expulsa da corte pelo tio, levando consigo a fiel amiga. Mas para melhor escaparem à perseguição dos esbirros do duque, disfarça-se de rapaz, tomando por disfarce a identidade de Ganimedes. Quanto a Celia será apresentada como sua irmã, sob o nome de Aliena.
Pressionado por Frederick, Olivier interna-se na floresta para matar o irmão, mas é este quem o salva das garras de uma leoa. O remorso fá-lo abandonar o ódio e a ser tentado pelo feitiço do amor, enamorando-se de Aliena. Por seu lado, o disfarce de Rosalind é tão bem sucedido, que Orlando nada suspeita da sua identidade, quando aceita a ajuda de Ganimedes para a reencontrar.
Acrescentam-se, entretanto, mais dois casais: um deles é de um pastor com uma pastora, o outro de um bobo com uma camponesa.
Quanto todos essas duplas de enamorados comparecem perante o antigo duque este casa-os, o que obriga ao prévio abandono do disfarce quer por Rosalind, quer por Célia.
E, por que a floresta é mágica, Frederick é instado por um eremita a devolver o poder ao irmão, sob pena de lhe caírem em cima os piores males do mundo.
Há belíssimas passagens em verso, algumas delas cantadas. E seguindo as convenções do género, Shakespeare contrapõe os inequívocos defeitos das cidades (a ambição, a inveja, a cupidez e outras vis paixões) à maior das virtudes campestres: o ambiente ideal para alimentar o fogo da paixão a quem a elas se rende.
No círculo mágico da floresta até os mais tenebrosos vilões , como Olivier e Frederick, se abandonam aos méritos da bondade.
Enuncia-se assim a grande mensagem ética enunciada depois n’«A Tempestade»: a natureza coordena as forças do bem, com que se pode apaziguar a ferocidade humana e desarmar a intenção fratricida.
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