Não se adivinha fácil a tarefa de que Burov se viu incumbido. Talvez por isso, logo de início, vemo-lo ensimesmado numa letargia, que poderemos depois imaginar revestida da contradição entre o dever e o sentimento: é que Sushenya, que deverá matar devido à sua traição, foi seu vizinho e provável companheiro de brincadeiras infantis. Mesmo que desejasse não ser verdadeira a suspeita como explicar que, dos quatro ferroviários presos logo após o descarrilamento do comboio com prisioneiros judeus destinados aos campos da morte, ele tenha sido o único liberto, escapando assim à forca?
O projeto de o matar na própria residência esvai-se perante a presença do filho e da esposa, essa Anelya, também incapaz de acreditar na inocência do marido. Este, porém, não tem qualquer explicação para o sucedido: teria até preferido acompanhar os companheiros no patíbulo, tendo em conta a admiração com que os vira depois consagrados, ao contrário das reações contrárias a seu respeito.
Burov decide levar o condenado para a floresta, contando com a ajuda de outro resistente, Voitik. No primeiro sítio aprazado para a execução, Sushenya escusa-se, pedindo-lhe que sigam mais adiante, onde o cadáver não seja atingido pelas inundações do ribeiro durante o inverno.
Acontece então o recontro com as milícias fascistas, que conseguem ferir seriamente Burov. Escapando-se com ele às costas, Sushenya sente o dever de lhe garantir a devida sepultura, pelo que insta Voitik a levá-lo na direção do seu pelotão. O que pretende evitar é a entrega do corpo às aves necrófagas, que pairam sobre eles, desejosas de garantirem o festim.
No entretanto, através de sucessivos retornos ao passado, podemos compreender como Burov sentira o impulso de entrar para a luta armada e Voitik compromete amiúde o sucesso das suas missões por ser descuidado. Os dois homens e o cadáver, carregado por Sushenya como se se tratasse da cruz para um suposto calvário, avançam com grande dificuldade, sempre na iminência de se verem descobertos pelos inimigos.
Voitik acaba por ser morto num novo recontro com as milícias e resta, pois Sushenya no paradoxo de, tratando-se de quem deveria ter sido morto, acaba por se ver como o último a sobreviver. Ou não, se o tiro final, que ouvimos mesmo antes do genérico, vier a significar o que imaginamos.
Loznitsa volta a dar-nos um belíssimo filme, que se interliga esteticamente com os documentários, que lhe conhecemos, mas onde não estava tão acentuada esta contradição entre o sujeito e as suas circunstâncias...
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