Há uns anos li alguns ensaios de Alain de Botton e até simpatizei bastante com algumas das suas teses, nomeadamente quando com ele convergi na defesa arreigada do ateísmo.
Sei que ele anda agora pelo Porto para sossegar as inquietações de uns quantos espíritos desassossegados da classe empresarial nortenha a quem foi convencer da longa durabilidade deste capitalismo consumista em que vivemos.
Esquecendo que as desigualdades estão a aumentar até níveis obscenos, ele aposta
na regeneração deste sistema de exploração da maioria dos cidadãos por um número cada vez mais exíguo de privilegiados através do aumento do … consumo.
Não passa pelo vendedor de banha da cobra nenhum sobressalto ecológico nem qualquer reparo sobre o crescimento de alguns fenómenos interessantes em Inglaterra com Corbyn, nos Estados Unidos com Sanders, para não falar de Tsipras na Grécia, do Bloco em Portugal ou do Podemos em Espanha. Para Botton eles não encaixam nas ideias embrulhadas em papel dourado e fitas cor-de-rosa, que foi vender à burguesia nortenha. Que não se fez rogada e encheu a lotação de mil lugares para beber as palavras do orador com a mesma beatitude dos evangélicos perante os seus inflamados pastores.
Acredito que a realidade próxima trará umas quantas surpresas a este defensor entusiasta do capitalismo, obrigando-o a reaferir muitas das suas exageradas conclusões.
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E porque trouxemos os evangélicos à baila está ainda bem fresquinha a vitória de Ted Cruz no caucus do Iowa onde foi determinante a votação massiva dos crentes de tal fé.
Como poderiam eles negar ao canadiano de origem cubana o seu apoio se ele ganhou medalhas da extrema-direita pelo combate ao Obamacare e, ainda há pouco empo, conseguiu integrar o restrito lote de oito senadores, que votaram contra uma lei destinada a penalizar a violência doméstica?
Se com Trump, a Casa Branca viraria um manicómio, com Cruz passaria a ser a sede de uma igreja inquisitorial donde sairiam continuamente autos-de-fé contra os defensores do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Cada cidadão poderia ter em casa um arsenal de armamento com que pudesse chacinar exércitos e a saúde só voltaria a estar disponível para quem a pudesse pagar.
Quando falamos de fanatismo religioso nos nossos dias não nos podemos limitar ao Daesh; está no Tea Party de além Atlântico, está no ultraconservador governo polaco e não faltam na Ásia exemplos de ditaduras assentes num budismo ou num hinduísmo nada consonante com o alegado pacifismo e tolerância dos seus gurus originais.
O que justifica o regresso ao que Botton diz de acertado sobre as religiões: todas elas são perniciosas e deveriam ser erradicados mediante a aplicação de uma vacina de racionalidade de alcance mundial. Porque a História está mais do que avermelhada com o sangue dos milhões de vítimas do facciosismo dos crentes nos vários deuses inventados pelos homens.
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