Foi num belíssimo romance de Alvaro Mutis, que encontrei o verso de Petrarca que passei a identificar como ideal para a forma como gostarei de desaparecer deste mundo: «Un bel morir tutta la vita onora».
Ter uma bela morte, eis algo que todos desejamos e, se me fosse dada a oportunidade de a escolher imitaria a da personagem de Edward G. Robinson no filme »À Beira do Fim», cujo clip aqui anexo.
Recordo o enquadramento dessa cena: num mundo distópico, sobrepovoado e violento, Sol Roth decide já estar demasiado velho e cansado para suportar o fardo de cada dia e opta pela morte assistida. Enquanto a solução letal vai avançando na corrente sanguínea ele vê belas imagens da Natureza, tal qual existia na sua juventude, e ouve algumas das criações musicais mais belas do reportório clássico.
A tranquilidade desses últimos momentos constitui um consolo, que lhe dá esse tal bel morir.
Esta evocação literária e cinéfila revela-se oportuna, quando está na ordem do dia a petição para tornar possível o direito que todos deveríamos ter quanto ao nosso fim.
Uma vez mais o preconceito volta a manifestar-se como sempre sucede quando se pretende fazer prevalecer o direito individual sobre o próprio corpo.
Lamentável, por exemplo, a posição do bastonário da Ordem dos Médicos, quando propõe o sofrimento e a dor do suicídio a quem não se quer sujeitar aos horrores de uma longa agonia. Porque não é apenas o padecimento do moribundo quem está em causa, mas também o dos familiares e amigos para quem constitui tremenda provação a lenta transformação de alguém, que se conheceu enérgico e jovial, num farrapo humano, que assim perdurará na memória para o resto das respetivas vidas.
Por muito que queiram servir de obstáculo a uma tendência incontornável, os opositores ao direito a uma morte assistida, e até mesmo à eutanásia a pedido do próprio, só farão a figura grotesca de quantos no passado também quiseram opor-se a direitos tão óbvios quanto o foram o voto para as mulheres ou à contraceção.
Já tinha decidido escrever este texto, quando, a talhe de foice, me surgiu a curta-metragem «Versailles» de Carlos Conceição.
Para além da descoberta de um jovem realizador com um talento surpreendente, o filme apresentou mais uma perspetiva complementar do mesmo assunto, através da concomitância do eros e do tanatos entre um jovem e a velha senhora a quem irá ajudar a fenecer.
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