A emigração chinesa para Portugal ainda não terá suscitado fenómenos de prostituição com a dimensão verificada em Belleville, que fica na convergência de quatro dos mais concorridos bairros parisienses. Por isso, muito provavelmente, «La Marcheuse» será mais uma daquelas centenas de películas produzidas anualmente em França, que nunca chegarão aos nossos ecrãs, nem mesmo com o beneplácito da respetiva Festa do Cinema. E, no entanto, tanto quanto se pode inferir do que vamos vendo pelo trailer e pelas entrevistas com o realizador, o projeto até tem motivos de interesse por evitar alguns dos principais clichês conhecidos, quando se aborda o tema.
Näel Marandin conhece bem do que fala porque, integrado numa das iniciativas da ONG «Médecins du Monde», costuma fazer voluntariado junto dessas centenas de raparigas vindas de todas as regiões da China e cuja exclusão começa logo por não falarem a língua francesa.
Dominando o mandarim, por ter vivido alguns anos no grande país do Oriente, Marandin pode conhecer o quotidiano das que agora dá a conhecer através do percurso pessoal de uma personagem ficcionada, mas catalisadora de muitos dos episódios, que fazem do quotidiano de cada uma dessas raparigas um autêntico calvário.
A protagonista do filme, Lin Aiyu veio do nordeste do seu país, acompanhada da filha, Cereja, de 14 anos, instalando-se ambas na casa de um ancião, que as aloja em troca dos serviços domésticos.
A relativa tranquilidade do dia-a-dia vê-se perturbada, quando o vizinho da casa em frente penetra, ensanguentado, no apartamento e sequestra-a. Doravante ela é obrigada a ceder à chantagem do raptor, que a obriga a prostituir-se para arranjar mais dinheiro e pagar as dívidas pelas quais se arrisca a morrer.
A relação de Lin Aiyu com Daniel não é propriamente a da prostituta explorada por um proxeneta convencional, porque trata-se de uma situação especificamente criminal.
No terreno Näel não encontrou um tráfico como o que estereotipadamente se associa ao universo em causa. A maior parte das prostitutas de Belleville são raparigas, que pretendiam encontrar emprego junto da comunidade dos compatriotas já instalados em Paris, mas não o conseguindo, decidiram-se pelo meretrício como alternativa de sobrevivência, tanto mais que trazem atrás de si os compromissos pessoais com o pagamento dos estudos de um filho ou da sobrevivência dos progenitores.
O realizador conhece casos de algumas, que terão regressado á China depois de garantirem poupanças aí prosseguem as suas vidas convencionais como se nada de comprometedor tivessem feito em Paris.
Resta ainda concluir que outro dos lugares comuns rejeitados no filme é o facto de haver uma homogeneidade na comunidade chinesa em França o que se revela inteiramente falso: as diferenças entre muitos desses emigrantes são quantas vezes, e por razões que têm a ver com a sua origem dentro da China, tão díspares como relativamente aos europeus.
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