Um dos mais sérios debates literários do século XX português ocorreu em 1952, quando a expulsão de Mário Dionísio do PCP foi o corolário lógico de uma polémica em que o escritor punha em causa a necessidade de se cingir a criatividade artística à regra de contribuir ou não para a emancipação da classe operária.
A questão torna-se mais lata, quando pensamos se faz algum sentido a expressão «a arte pela arte» com que muitos intelectuais se desculpabilizaram ao dissociarem-se da militância cidadã para se enclausurarem nos respetivos casulos criativos.
O filme de Terence Davies sobre a escritora romântica Emily Dickinson reatualiza essa questão: justificar-se-á que nos deixemos sensibilizar pela beleza da natureza, quando a consciência social nos dita a existência concomitante de tanta miséria humana causada pela exploração do homem pelo homem?
Justifica-se essa rendição ao Belo como consolação de todas as inquietações inerentes aos tumultos suscitados pelas injustiças que nos merecem veementes indignações?
A minha resposta é sim, se soubermos segmentar essa capacidade de deslumbramento perante o que nos impõe um estado encantatório, da que não deixaremos de sentir, quando nos cruzamos com tantos sem abrigo pela cidade. É por isso que o filme agora estreado em Berlim figurará nos de visão obrigatória, porquanto permitirá uma trégua de duas horas no permanente desassossego que nos estimula a vontade de mudar o mundo à luz das nossas pessoais utopias. Rendendo-nos momentaneamente à beleza dos versos da poetisa ...
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