Nas séries, que andamos a ver atualmente, a que mais nos agrada é a segunda temporada de «American Crime».
Se, no ano transato, já acompanháramos atentamente os onze tensos episódios que abordavam sem mesuras os temas mais pertinentes da sociedade norte-americana - o racismo, a droga, a pena de morte, a disfuncionalidade das famílias e o proselitismo religioso - os desta temporada de 2016 não deixam de ser menos interessantes.
Tudo começa com uma festa da equipa de basquetebol de um liceu privado de Indianápolis, que mistura a habitual dose de bebidas, drogas, sexo e música rock.
De madrugada um dos jovens convidados, Taylor, é devolvido a casa quase comatoso na embriaguez e com sinais de ter sido molestado sexualmente.
A partir daí começam as questões inquietantes para os mais diversos personagens: o motivo de perplexidade para muitos é até que ponto pode um rapaz ser violado. E como lidar com a homossexualidade num ambiente assaz conservador? Mas outras questões se colocam: existem classes sociais bem estratificadas nesse colégio destinado preferencialmente aos filhos das famílias mais ricas da cidade, sendo os pobres e remediados apenas aceites na condição de bolsistas.
E entre esse ensino privado e a escola pública as diferenças são abissais, não admirando que só os daquele possam aspirar à universidade.
Num país onde a competição é levada ao extremo, os pais não hesitam em impor aos filhos a estratégia da mentira ou da delação, se isso significar a salvaguarda da própria pele, mesmo que à custa do melhor amigo.
Em causa ainda a preocupação das instituições em dissociarem-se tanto quanto possível das notícias tendentes a suscitarem-lhes má publicidade, porque, mesmo vivendo de dispendiosas propinas, não podem sobreviver sem os apoios mecenáticos de quem assenta o prestígio social nas suas aparências beneméritas. Mesmo que pagas efetivamente por quem nunca surge nas homenagens e nas inaugurações de placas e estátuas hagiográficas: todos quantos esses «Benfeitores» exploraram sem pinga de escrúpulo.
A América representada nesta criação de John Ridley está muito distante da que alimenta as falsas ilusões de “terra das oportunidades”. Aqui, se elas existem, ficam apenas ao alcance de uma ínfima minoria de privilegiados. E não é de somenos que os argumentistas tenham conferido maior substância do que o costume à caracterização dos personagens secundários, mesmo os que mais facilmente poderiam ter sido reduzidos a meros estereótipos, dando-nos a conhecer os seus ilusórios sonhos e insanáveis preocupações.
´Depois de «True Detective» em 2014 e «Olive Kitteridge» em 2015, esta bem pode vir a ser a nossa série de eleição em 2016.
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