Em condições normais não disponibilizaria tempo para ver no cinema um filme como «Horas Decisivas». Até por ser daquele tipo onde é fácil adivinhar a praga das pipocas e das coca-colas a serem ruidosamente consumidas por gente para quem a ida a uma sala de cinema tem como único fito divertir-se.
Acontece que, ontem, precisava de uma boa limpeza ao carro e quem a iria fazer só se comprometia a entrega-lo daí a duas horas. Resultado: como um dia não são dias, lá apostei no entretenimento sem grandes estados de alma.
É certo que havia a alternativa do provavelmente oscarizado filme com o Leonard de Caprio, mas como o tema da vingança pessoal não me atrai por aí além, preteri-o.
O Tarantino era outra possibilidade, mas desde o «Pulp Fiction», que tenho andado às avessas com os críticos não encontrando grande satisfação onde eles arriscam fartos encómios.
Restava, pois, «Horas Decisivas», o filme de Craig Gillespie sobre a «very true story» do salvamento heroico de uma trintena de tripulantes do navio-petroleiro «Pendleton» em 1952 nas costas do Massachusetts.
À partida havia o incentivo de um reavivar das minhas próprias memórias sobre os doze anos, que passei na Soponata, e outros tantos vividos em paquetes e navios de carga geral. É que, nesses muitos anos a bordo de navios, recordo tempestades medonhas no Atlântico Norte, no mar do Norte, no cabo Horn ou no Índico, sem os efeitos da sucedida com o «Pendleton», mas suficientemente impressionantes para justificar a possibilidade de um dia acabar no fundo de um qualquer oceano.
Era esse o grande interesse do filme, ademais em 3D que, retirando nitidez às imagens, poderia acrescentar credibilidade ao seu desenvolvimento.
Na crítica do «Público» o Jorge Mourinha enaltece o filme por não se limitar à ostentação dos competentes efeitos especiais, descrevendo personagens com mais substância do que os habituais estereótipos.
Bernie, o oficial da Coast Guard, que comanda a lancha de salvamento com capacidade para doze pessoas, e que carregará com quase quarenta, é o herói improvável ainda marcado por um fracasso no ano anterior e tendo como motivação o cumprimento escrupuloso das ordens da hierarquia, mesmo sabendo-a incompetente.
Miriam, a que o fez aceitar como sua noiva e decidiu por ambos a data do casamento, é daquelas mulheres com a fibra das que, durante a guerra substituíram nas fábricas de armamento os homens enviados para a guerra, e agora apostadas em não se restringirem à condição de fadas do lar.
Ray Sibert, o oficial de máquinas, que lidera os sobreviventes do navio partido ao meio, é o taciturno solitário, dotado de uma sagacidade e de uma aparente calma mesmo quando tudo parece conjugar-se em seu desfavor, para conseguir o impossível. E, particularmente para mim, que satisfação esta a de ver em filme a importância dada a um colega de profissão, contrariando a lógica de todo um conjunto de títulos em que é o comandante a mostrar essa heroicidade.
Nesse aspeto em particular o do «Pendleton» até foi culpado do que sucedeu, porque, em vez de aceitar a redução da velocidade exigida pelo oficial de máquinas apostou em mantê-lo em regime de toda a força a enfrentar as vagas transformando-se em rápida vítima da sua incompetência ao afundar-se com a proa e meia-nau do navio, só restando a popa do navio a flutuar precariamente.
É evidente que, desde o início, sabia que tudo acabaria em bem - com uma ou outra morte de permeio para acentuar o dramatismo da história. Mas, embora, se reconheça neste salvamento uma incrível sorte, que fez dele o mais inverosímil e bem sucedido da História da Coast Guard, o filme faz justiça e é credível em quase tudo quanto mostra.
Podemos considerar que é oportuna a quase escuridão de muitas cenas em que se sugere mais do que se deixa ver. Mas se quase todo o drama se passa numa noite escura e tormentosa e o navio fica em black out não haveria outra forma de representar o que se quer contar.
Conclusão: duas horas que excederam as expetativas.
Sem comentários:
Enviar um comentário