Embora situados em passados diferentes, dois dos romances que me andam a atrair a atenção de leitor voraz, remetem necessariamente para a atualidade. Mas os outros três não deixam de encontrar pontes para este presente onde é fácil encontrar-lhes pertinentes sintonias.
«Nada de Lágrimas» de Lydie Salvayre, sobre o qual já deixei aqui algumas impressões, está lido a arrumado na prateleira, mas teve nas páginas derradeiras uma sequência similar á realidade atual: com as tropas franquistas a avançarem progressivamente no território republicano, Montse e a filha Lunita fogem penosamente na direção da fronteira francesa para não se sujeitarem às represálias dos iminentes vencedores. Até muito depois da sua tomada de posse como caudillo, Franco autorizou aos seus sicários as piores afrontas contra os vencidos: execuções sumárias, torturas, violações, etc., que tanto tinham escandalizado o fervoroso católico Georges Bernanos, autor de «Os Cemitérios ao Luar», pormenorizada descrição dos crimes fascistas em Maiorca.
A fuga figura, pois, como única alternativa a quem se quer livrar de dores maiores do que as do frio, da lama, do cansaço, que se associam a essa marcha para a imprevisível salvação. Afinal aquilo que sentem muitas famílias sírias em trânsito para uma Europa, que não as quer receber…
Mudando de época e de geografia, estou a ser levado por Christian Jacq para o Egito de há mais de 3700 anos, com o romance «A Árvore da Vida», que tem por personagem relevante o faraó Sesóstris II a contas com a sensação de fragilidade na unidade territorial do seu reino pela irrupção de uma insurreição liderada por um fanático religiosos sem escrúpulos.
Muito embora o autor procure ser o mais detalhado possível em relação ao que conjetura serem os comportamentos e os valores de então, é óbvia a piscadela de olho para uma atualidade marcada por intolerâncias religiosas e subsequentes atos terroristas. É a História como reflexo incontornável do que vamos vivendo nos dias de hoje.
Mudando de continente e de época, encontro a protagonista de «Amuleto» de Roberto Bolaño a privar com os poetas Leon Filipe e Pedro Garfias na Cidade do México nos finais dos anos 60. Chama-se Auxílio Lacouture e saíra de Montevideu, onde nascera, para encontrar o verdadeiro sítio onde deseja pertencer e que, mais não é do que o convívio com poetas exilados de quem se torna voluntária mulher-a-dias.
Porque ainda avancei uma vintena de páginas, desconheço o que me revelarão as seguintes, mas o autor abrindo as expetativas para crimes e histórias de terror até agora insuspeitáveis…
Vou mais adiantado na leitura de «L’Ombre des chats», um romance do islandês Arni Thorarinsson.
Aparentemente é um policial, que se inicia com a presença de um jornalista de Reiquiavique no casamento de duas das suas amigas em Akureyri e vê-as receber como prenda um aparente pénis metido num frasco de formol. Tratar-se-ia de uma provocação homofóbica? Einar irá tentar descobri-lo, mesmo se depressa conclui tratar-se de um falso órgão em matéria plástica mergulhada num néctar de fruta. Por agora ando ainda a tentar perceber o que tal provocação terá a ver com agressões gratuitas em filas para entradas em discotecas na capital ou com a fuga de uma ex-amante e do tesoureiro de um partido político com o dinheiro, dele desfalcado.
Para concluir esta breve viagem pelos títulos agora acumulados na mesa de cabeceira, falta-me referir a continuação na leitura de «As Mãos Escondidas» de Robert Wilson com o inspetor Javier Falcón ainda por perceber se a morte do casal Vega teve na origem um pacto suicida se um homicídio muito bem disfarçado. Mas com os problemas do protagonista a imiscuírem-se numa investigação tanto mais difícil quanto Sevilha consegue ser insuportável no pico do verão.
Convenhamos que ando com leituras pouco exigentes literariamente, mas onde conta a imaginação dos autores para conferirem credibilidade às histórias neles exploradas.
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