Os Trinta Gloriosos Anos fizeram crer na possibilidade de se atingir um patamar de qualidade de vida, que justificava todas as formas de hedonismo e a facilitação do acesso à plena felicidade.
As crises do petróleo e, sobretudo, a financeirização das nossas economias veio condicionar esse desejo de realização pessoal, que tantos julgaram possível e o viram esvair-se no empobrecimento progressivo das classes médias.
E, no entanto, o discurso político sobre o direito á felicidade até tem potencial para fundamentar novas Revoluções...
Detenhamo-nos um instante para olhar para esta imagem de Bert Hardy, colhida na estação de Paddington, em Londres, em 1942. Segundo sabemos ela ilustra a iminente chegada de um militar, proveniente da Frente de Combate e a quem a mulher e o filho esperam com ansiedade. Um excelente pretexto para a abordagem de equacionarmos o que pode fazer alguém feliz.
Será a felicidade um desejo saciado? Será uma questão de vontade em alcança-la?
O primeiro desafio, que se coloca ao desejo da felicidade é saber o que a ela conduz. No caso da imagem a expressão ansiosa do rapaz, e mais contida da progenitora, é fácil de imaginar. Mas podemos sempre tornar mais complexa essa resposta, pois - tendo em conta que ainda se estava bastante longe do fim da Guerra! - não sabemos se esse militar viria bem ou a contas com alguma deficiência irremediável. O que permitiria ler a expressão destes rostos de maneira completamente diferente. É que a possível felicidade do reencontro revela-se mitigada pelas circunstâncias, que determinavam se ela era momentânea ou perdurável.
São múltiplos os exemplos de milionários profundamente infelizes apesar de terem satisfeitos catálogos inteiros de coisas materiais. Essa condição aparentemente ideal para se ser feliz pode ser palco de enorme tédio, senão mesmo de um problemático sofrimento.
Schopenhauer definia a felicidade como a supressão da dor, como se se tratasse de uma enxaqueca em fase de dissipação. Excluía a possibilidade de alguém ser feliz, pois o homem comporta-se como o burro, que leva pendurada à sua frente uma apetitosa cenoura e à qual nunca chega, porque o objetivo é sempre o de levá-lo do sítio A para o sítio B.
Conformista, o mesmo filósofo defendia a vantagem de esquecer o inatingível e acomodar-se ao que já se conseguiu. O pessimismo acabava por ser uma espécie de terapia em que nada importa por tudo estar destinado a correr mal. Ao invés o otimista tem energia para dar e vender. Mas estará mais habilitado para esse estado de felicidade?
O rapaz e a mulher da foto espelham a inquietação perante a imprevisibilidade do reencontro. Mas, com boa vontade, e atendo-nos na hipótese de um final feliz, há o paradoxo de a felicidade se resumir à expetativa de um prazer, que se imagina vir a conhecer. A felicidade não existiria, por si mesma, mas como antecipação de a vir a conhecer. E, na mesma lógica, ela pode ser também identificada a posteriori, quando se compreende já se a ter vivido e ela ter entretanto passado, nem que para uma forma serena de a prolongar. Mas já sem o êxtase, que ela prometia. É a sensação de se ter sido imensamente feliz, sem a consciência de tal estado naquele momento em concreto.
É outra razão para identificar a felicidade numa das suas vertentes mais exequíveis: a da evocação do passado, mesmo que a mente já dele tenha criado uma efabulação ideal do que fora a sua substância...
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