A Grande Muralha da China é a maior proeza de engenharia alguma vez executada: nenhuma outra obra humana careceu de tanto tempo e meios humanos e materiais para tomar a sua forma conhecida. Mas, apesar do que costuma ser considerado como factual, ela não se limitou a um sistema defensivo para responder as ameaças exteriores às fronteiras do Império Ming.
Os ataques começaram muito antes da nossa era, quando hordas de cavaleiros vinham do norte da China para ataques devastadores contra as populações, aproveitando as fragilidades de um vasto território onde várias fações se digladiavam pelo poder.
No século III a.C. o primeiro imperador, Qin Shi Huang, também conhecido pelo seu célebre exército em terracota, mandou edificar o primeiro troço da Grande Muralha. Hoje, o monumento visitado anualmente por milhões de turistas e a que os chineses chamam «Muro sem fim» já não é considerado como uma construção única: há pelo menos dezasseis muralhas construídas ao longo de dois mil anos por várias dinastias, com materiais diversos e arquiteturas díspares entre si. No total existem 44 mil elementos fortificados destinados à vigilância dos possíveis inimigos e a extensão agora consensual é de 21 mil quilómetros, ou seja, quase três vezes mais do que ainda há pouco era aceite como tal e se situava mais perto de Pequim.
Há dois mil e duzentos anos as primeiras muralhas eram mais rudimentares comportando juncos como forma de melhor consolidação do adobe aplicado em perfis triangulares. E eram antecedidas de espigões de madeira destinados a dificultar o avanço dos cavaleiros inimigos.
Já então a Muralha não se limitava ao papel defensivo: além de base logística para os ataques às regiões inimigas, servia de alfândega e de campos de treino aos próprios exércitos imperiais.
A comunicação obedecia a um sistema sofisticado, que recorria a bandeiras coloridas e a sinais de fumo para transmitir, ao longo de quatrocentos quilómetros, as mensagens sobre ataques iminentes do inimigo.
Quando Gengis Khan conquistou a China no século XIII iniciando a ocupação mongol, que perdurou um século, foi fácil concluir que a Muralha então existente já não bastava para impedir o sucesso dos invasores. A dinastia Ming, iniciada precisamente com a derrota mongol, vai considerar fundamental a construção de fortificação mais robusta, que é a sua parte mais conhecida atualmente e cuja construção remonta ao século XVI: levará mais de cem anos a construir e estende-se por oito mil quilómetros, surpreendendo os historiadores pela sua durabilidade.
Essa capacidade de resistir aos ataques inimigos e aos muitos terramotos desde então padecidos tem a ver com o facto de ser construída em tijolos ligados entre si por uma massa branca, que a lenda atribuiu à utilização dos ossos dos operários, que iam morrendo durante os trabalhos. Por isso muitos ainda acreditam, que ela mantém-se erguida graças aos esqueletos dos que nela morreram. Mas os cientistas concluíram que a dureza dessa argamassa tem a ver com o recurso a arroz comum.
O fabrico de tijolos para a Grande Muralha esteve na origem de uma prodigiosa Revolução Industrial, que modificou o rosto da China no século XVI. Mas, no século XVII uma aliança entre mongóis e manchus voltou a demonstrar a impossibilidade de resistir a invasores determinados, tanto mais que se viram reforçados pela Guerra Civil, que conduziu ao suicídio do último imperador Ming. A China doravante construída pelos invasores já estende o seu domínio a fronteiras muito além da Muralha e ela ficou quase esquecida na sua inutilidade até Mao e Nixon ali se encontrarem em 1972 para assinalar o início da mudança do relacionamento do seu relacionamento com o exterior.
Resta uma última desmistificação: apesar de se dizer o contrário os astronautas desmentiram que a Grande Muralha seja detetável a partir do espaço extraterrestre.
(texto decorrente da visualização do documentário «A História Escondida da Grande Muralha» de Ian Bremner)
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